Admiro quem, no mundo das redes, consegue fugir e resistir ao modo como as pessoas são levadas pela boiada. A tarefa é dura. Cabe contextualizar.
É preciso, primeiro, que se diga. O comportamento de manada está absolutamente democratizado. Não há lado menos propenso a este tipo de adesão ao que um velho sociólogo entendia pela força coercitiva das correntes de opinião.
A manada nas redes tem força porque, cada um, dentro de sua bolha cognitiva, de força e de sentido, acredita mesmo que está defendendo e aderindo a algo bom. As manadas têm forte senso aparente de justiça. E é a partir da adesão ao rebanho do bem que o indivíduo constrói sua identidade na rede.
A formação da manada tem um elemento “espontâneo” e outro “administrado”. O espontâneo tem a ver com a “emergência” do “fato”. É impossível programar seu aparecimento por completo. Porém, é possível desenhar o modo como o fato será expandido de maneira a atender a interesses políticos e econômicos. É o elemento administrado.
No caso, por exemplo, da fala racista de William Waack. Ele de fato disse aquela expressão deplorável e passível de enquadramento pelo código penal. Mas o senso – legítimo – de reprovação das pessoas foi canalizado para o linchamento, ao invés de pedir a aplicação da lei, contra um jornalista com viés ideológico oposto e contra a emissora que ele representa. A Globo tem sido, no âmbito dos costumes, uma empresa voltada para a defesa das minorias. Por isso vem sendo chamada de comunista por membros mais à direita da sociedade. Sites, robôs e perfis influentes alimentaram a fogueira. Poucos tiveram a capacidade de criticar o ato, sem que isto fosse tomado como tentativa de aniquilar uma pessoa e sem servir de bucha de canhão para outros interesses.
No caso das acusações de “pedofilia” em museus algo relativamente semelhante ocorreu. O apelo ao “bom senso” das pessoas foi o que deu a força do ataque obscurantista. Num país em que menos de 10% da população já foi ao menos uma vez a um museu, era absurdo olhar uma criança ao lado de um homem despido. Aquilo tem sentido apelativo e imoral para ela.
As manchetes da Folha e do Estadão foram ridículas: “criança ‘toca’ homem nu em museu”. Ora, a insinuação sexual era rasgada e, confesso, que de partida também me choquei com à cena cheia de evidência (manipulada). Só quando você parava para raciocinar que via que a coisa não era tão simples como parecia.
Não sei quem começou com a estratégia, mas algo é certo: o comportamento de manada nas redes veio para ficar. E, na medida em que se consagra, você passa a odiar pessoas que nem conhece e a reprovar tudo que ela fala, mesmo que você viesse a concordar com um raciocínio semelhante dito por um amigo de sua bolha. E, em igual medida, a aderir a tantas outras e suas opiniões, ainda que você viesse a reprovar um ponto de vista, caso fosse apontado por alguém do outro “lado”. O debate se torna, por consequência, absolutamente improdutivo, do ponto de vista da formação de consenso entre pessoas que não necessariamente compartilham das mesmas inclinações ideológicas.
Manadas de ódio nas redes sociais não apelam para o mal, mas para o bem que cada acha que está promovendo
