20 de dezembro de 2022

Valor econômico: elevação do FPE não cobre perdas com ICMS; RN segue com saldo negativo

Autor: Redação

Valor Econômico

A combinação da redução de alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis, energia e telecomunicações com o avanço dos tributos federais cujos recursos são divididos com Estados aumentou a dependência dos governos estaduais em relação à União. Representantes dos Estados apontam, porém, que o maior repasse de recursos obrigatórios da União não deverá compensar a perda de receitas do conjunto dos Estados com o ICMS em 2022.

A participação da arrecadação do ICMS na receita corrente do agregado dos 26 Estados e Distrito Federal caiu de 50,5% para 46,3% da receita corrente total de janeiro a outubro do ano passado para iguais meses deste ano. As transferências correntes totais da União avançaram de 15,9% em 2021 para 18% da receita corrente este ano. O Fundo de Participação dos Estados (FPE), o mais importante repasse obrigatório da União aos governos estaduais, subiu de 9,7% do ano passado para 10,9% em 2022, sempre considerando os mesmos dez meses do ano.

Por meio do FPE o governo federal divide com os Estados e municípios parte da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Os dados foram levantados pelo Valor dos relatórios fiscais entregues pelos Estados à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e consideram as receitas realizadas.

O aumento real nos valores de FPE transferidos pela União aos Estados, porém, não devem compensar a perda estimada pelos governos estaduais em 2022, segundo projeções do economista Sérgio Gobetti, especialista em contas públicas. Impulsionado pelo crescimento da arrecadação do IR, o valor de FPE transferido aos Estados deve crescer 23% em termos reais este ano contra o ano passado, alcançando R$ 154,33 bilhões. O aumento real, em termos absolutos, deve ser de R$ 16,25 bilhões, calcula o economista.

O ganho da transferência, porém, não compensará a perda de ICMS calculada em R$ 40 bilhões que o conjunto dos Estados deve ter este ano, aponta Gobetti. Em termos anualizados, a perda com a redução das alíquotas de ICMS é projetada em R$ 86 bilhões. A estimativa de perda anualizada considerou os valores estimados pelas secretarias de Fazenda estaduais em decorrência da redução de alíquotas e redução de base de cálculo do ICMS sobre combustíveis, telecomunicações e energia elétrica estabelecidas pela Lei Complementar 194/2022. O montante está líquido da parcela de 25% repassada pelos Estados aos municípios.

A receita de FPE estimada pelo economista equivale ao valor acumulado até novembro extrapolado por mais um mês de forma proporcional aos 11 meses, com correção pela estimativa de alta do IPCA médio entre 2021 e 2022. A projeção de Gobetti para o FPE inclui a parcela de 20% que é retida e distribuída pela União aos Estados por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

O efeito da transferência, porém, deve ser diverso para cada um dos entes federados, dada a heterogeneidade do cenário de dependência do repasse federal. Dados dos relatórios fiscais mostram que em 10 dos 27 entes a transferência do FPE representa mais de 30% da receita corrente, o que ocorre principalmente em Estados do Norte e Nordeste. Em 11 Estados, essa fatia fica abaixo dos 10%. Em São Paulo é de 0,5%. As participações relativas dos Estados no ICMS e nas perdas impostas com a redução de alíquotas, diz Gobetti, são também muito distintas das participações com FPE. “Há Estados com ganhos inexpressivos no FPE e perdas significativas no ICMS.”

Para Felipe Salto, secretário de Fazenda de São Paulo, o quadro mostrado pelos relatórios fiscais e por Gobetti procede, já que, mesmo no agregado dos Estados, o bom desempenho do FPE não acontece na mesma proporção que a perda de receita imposta pelas mudanças da LC 194/2022 e da LC 192/2022. No caso de São Paulo trata-se de uma perda de receita de ICMS anualizada de cerca de R$ 13 bilhões. Parte dessa perda, diz ele, vem sendo compensada pelo Estado, via redução de despesa, com abatimento no pagamento do serviço da dívida com a União.

Essa compensação, porém, diz ele, é temporária e baseia-se em decisão obtida pelo Estado no Supremo Tribunal Federal (STF). Em medida acordada com o governo de transição do governador eleito no Estado, Tarcísio de Freitas, o secretário diz que o Estado de São Paulo entrou com pedido ontem junto ao STF para manter a compensação em 2023 e de forma integral, sem o gatilho. Hoje o Estado segue o gatilho para compensar as perdas reais de receitas que ultrapassem 5% na comparação com igual período do ano passado.

A questão toda da redução de alíquotas de ICMS pelas LC 192 e LC 194, lembra Salto, ainda está em discussão no comitê de conciliação entre União e Estados no âmbito do STF. Pelo acordo mais recente, o princípio da essencialidade deverá ser aplicado para energia e telecomunicações. Nos combustíveis, uma das indefinições está no modelo de tributação monofásica do ICMS, que deverá ser aplicado na gasolina e no álcool. Esse tema específico, diz o secretário, deve ser definido até 31 de dezembro. Ainda devem ser discutidos em grupos de trabalho a questão da compensação aos Estados e da exclusão das tarifas Tusd/Tust da base de cálculo do ICMS de energia elétrica.

Para Gobetti, ainda que alguns Estados tenham conseguido compensar mais as suas perdascom a mudança no ICMS, é preciso lembrar que parte importante do ganho de arrecadação que alimenta o FPE é temporária ou cíclica, já que este ano esse acréscimo está muito relacionada ao lucro extraordinário do setor petrolífero, com a alta do preço internacional da commodity e da taxa de câmbio desvalorizada.

O quadro, diz George Santoro, secretário de Fazenda de Alagoas, tem levado muitos governos a subir a alíquota modal do ICMS como forma de compensar a perda de arrecadação. O Estado, conta, voltou a ficar este ano mais dependente do FPE transferido ao Estado e, para recompor ao menos parte das perdas a partir do ano que vem, propôs elevação da alíquota padrão do imposto de 17% para 19%. O aumento foi aprovado ontem na Assembleia Legislativa do Estado em segundo turno.