15 de maio de 2023

Entenda o sumiço das bistecas e outras compras suspeitas do governo Bolsonaro para indígenas

Autor: Daniel Menezes

Do Estadão - O governo Jair Bolsonaro comprou 19 toneladas de bisteca para compor cestas básicas que deveriam ser enviadas ao Vale do Javari, no Alto Solimões (AM), mas a carne congelada nunca chegou às comunidades indígenas. As suspeitas de irregularidades não param por aí. Como revelou o Estadão, a gestão passada desrespeitou recomendações técnicas da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e pagou R$ 4,4 milhões para adquirir sardinha enlatada e linguiça calabresa, alimentos que não fazem parte da dieta em aldeias.

Ao longo do último mês, o Estadão investigou 5,5 mil compras de alimentos para terras indígenas em todo o País e constatou que, a pretexto da pandemia de covid-19, metade foi feita sem licitação. A reportagem cruzou dados das compras, de responsáveis pelas entregas e recepção das remessas e ouviu lideranças e famílias tanto do Vale do Javari quanto de etnias de outras regiões. Além de potencial irregularidade, os processos revelam, em comum, o desperdício de milhões de reais.

Entenda as suspeitas de irregularidades:

Aquisições

  • No primeiro semestre de 2020, a exemplo de outros órgãos administração pública, a Funai passou a assinar uma série de contratos sem licitação para fornecer alimentos a comunidades indígenas. A prática continuou até 2022, enquanto durou a situação de emergência provocada pela pandemia. Parte desses contratos segue em vigor na atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
  • Contratos de R$ 568,5 mil resultaram na compra de cestas básicas que efetivamente chegaram para 13.330 marubos, matises, kanamaris e korubos, mas somente produtos secos foram entregues, como arroz, farinha e sabão. Apesar de constar das aquisições 19 toneladas de bistecas (para atender indígenas e funcionários da Funai), mesmo que tivesse sido enviada, a carne teria estragado, já que não havia locais de armazenamento e conservação adequados para acomodar o alimento congelado.
  • Fornecedores e gerador de energia

  • Após selecionar as empresas para fornecer a carne no Vale do Javari, o governo Bolsonaro efetuou pagamentos que somaram R$ 13,4 mil para a compra de meia tonelada de bisteca. Duas empresas que ganharam as licitações ficam em Manaus, a mais de 1 mil quilômetros das cidades que dão acesso ao território indígena.
  • O sumiço das bistecas foi confirmado ao Estadão pelos indígenas que deveriam receber o produto, por uma das empresas contratadas para entregar a carne e também por Mislene Metchacuna Martins Mendes, atual diretora de administração e gestão da Funai, que assinou o contrato de compra e admitiu desperdício de dinheiro público na aquisição.
  • Só na metade de 2022 o Vale do Javari recebeu um gerador de energia elétrica para possibilitar o armazenamento de produtos perecíveis, entretanto o governo Bolsonaro fez empenhos para a compra de bistecas congeladas e outros produtos resfriados desde dezembro de 2020.
  • Providências

  • Após a publicação da primeira reportagem da série, a presidente da Funai, Joenia Wapichana, mandou investigar a compra de bistecas. “Eu vou apurar as informações, pois se trata de atos da gestão anterior e para tanto preciso que se apure junto aos departamentos competentes internos na Funai”, afirmou Joenia ao Estadão. A Funai, entretanto, ainda não deu explicações oficiais.
  • Foto:

    Foto:© Fornecido por Estadão

    Yanomami

  • A reportagem constatou que o governo Jair Bolsonaro pagou R$ 4,4 milhões para enviar ao Território Yanomami alimentos que não são consumidos pelos indígenas, durante a crise humanitária que recentemente assolou a etnia. A compra de sardinha enlatada e linguiça calabresa desprezou recomendação técnica da Funai. Também não há registros de que os produtos foram entregues integralmente.
  • Confira reportagens completas:

  • Entenda o sumiço das bistecas e outras compras suspeitas do governo Bolsonaro para indígenas

    Entenda o sumiço das bistecas e outras compras suspeitas do governo Bolsonaro para indígenas© Fornecido por Estadão

     

  • Entenda o sumiço das bistecas e outras compras suspeitas do governo Bolsonaro para indígenas

    Entenda o sumiço das bistecas e outras compras suspeitas do governo Bolsonaro para indígenas© Fornecido por Estadão

  • O desrespeito à orientação da área técnica virou uma ação no MP, em 2021, que pediu a condenação da União para obrigar o Executivo a considerar estudos antropológicos e nutricionais na composição das cestas básicas. O Estadão mostrou que, mesmo depois da condenação, o governo Bolsonaro não só voltou a adquirir os alimentos inadequados como assinou a maior compra já realizada para a terra indígena de linguiça e sardinha em lata.
  • Campeã de vendas

  • A empresa contratada para vender ao governo linguiça e sardinha enlatada foi aberta em 2020, apenas dois meses antes da assinatura do primeiro contrato. Com sede em Boa Vista, a H. S. Neves Junior rapidamente se tornou a campeã nacional em vendas sem licitação para a Funai na gestão Bolsonaro.
  • Emergência

  • Entre todos os territórios indígenas do País, a Terra Yanomami foi onde o governo federal mais despendeu recursos, ao longo de quatro anos, para comprar alimentos. Os gastos chegaram a R$ 7,8 milhões. Mesmo assim, centenas de crianças indígenas morreram, vítimas de desnutrição. Em janeiro, o governo Lula declarou emergência em saúde pública na Terra Indígena Yanomami.
  • Líderes yanomamis apontam o desperdício de dinheiro com cestas básicas não consumidas, enquanto demandas urgentes por atendimento médico, socorro a crianças desnutridas e expulsão de garimpeiros ilegais na região deixaram de ser atendidas.

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