5 de junho de 2023

‘O novo Ibama é melhor, não sou eu que vou dizer que está fazendo mal ao país’

Autor: Redação

O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, diz que a empresa tem condições de atender às condicionantes apresentadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambienteedos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)para perfurarumpoçonabacia da Foz do Amazonas.“A licença não deve ser dada a qualquer custo, mas é nosso dever recorrer. Estamos pedindo ao Ibama a retomada do licenciamento”, disse Prates, em entrevista aoValor.

O executivo afirmou que teve uma conversa de “ambientalista para ambientalista” com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, uma vezque elepossuimestrado emgestãoambiental: “Sei como é um licenciamento.” Apesar dos esforços para poder perfurarumpoço na Foz, Prates reconhece que a decisão sobre a atividade na região cabe ao Ibama e que o órgão pode manter o indeferimento, como já fez em maio.

A exploração da Margem Equatorial, onde se insere a Foz, é parte dos esforços da Petrobras para repor reservas. A exploração e produção de óleo continuará a ser prioritária na empresa, inclusive para financiar a transição energética para uma economia de baixo carbono. Na quinta-feira (1º ), a empresa divulgou diretrizes do plano estratégico 2024- 2028, no qual sinaliza como aumento de 6% para até 15% nos investimento sem descarbonização. Perguntado se pretende estatizar a Braskem, Prates reagiu: “Não, que termo é esse?! Isso é governo Chávez [Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela].”A seguir os principais pontos da entrevista aoValor:

Valor: Um das prioridades da sua gestão até agora foi a política de preços dos combustíveis, que passou por mudanças em maio. No dia do anúncio,areação do mercado foi positiva porque se entendeu que nada mudava a curto prazo. Mas a longo prazo ficaram dúvidas do que a Petrobras fará quando tiver que aumentar os preços.

Jean Paul Prates: Acho que conseguimos explicar que o PPI [preço de paridade de importação] não fazia sentido para uma empresa como a Petrobras. Ele podia ser até, aparentemente, bom mas estávamos perdendo participação de mercado. Já me perguntaram: ‘E quando [o petróleo] subir?’ Quando subir vai subir! Talvez não suba com a mesma rapidez e precisão do PPI, mas uma hora o preço vai subir ou alguém achava que Lula [o presidente Luiz Inácio Lula da Silva]ia se elegere nós íamos entrar aqui e prometer que o preço nunca mais ia subir, só ia descer, não tem sentido.

Valor: A mudança na fórmula de cobrança do ICMS sobre a gasolina eo álcool eo retorno da cobrança do PIS/Cofins, em julho, vão testar a estratégia comercial da Petrobras?

Prates: Não [não será teste] porque não é um fator que diz respeito ao petróleo,é uma tributação que existia e voltou. Então não nos faria mexer [no preço] a não ser que, por coincidência, outros ajustes possam ser cabíveis. Diferente seria se houvesse [alta] no preço do petróleo.

Valor: Mas quando o preço sobe na bomba o entendimento do público tende a ser de que a Petrobras está aumentando mesmo que, nesse caso, seja efeito dosimpostos.

Prates: O mérito que temos é explicar de forma transparente [a nova sistemática] para as pessoas. Tivemos o cuidado de indicar qual pode ser a quedana bomba a partir da redução dos preços nas refinarias da Petrobras.É algo para forçar a cadeia produtiva a reduzir os preços, senão elas e apropria das margens e fica tudo igual. Quando anunciamos arevogação do PPI, entre aspas, tivemos cuidado de dizer que a expectativa era baixartanto bomba porque tem mistura de gasolina, margem de distribuidora. Não vamos mandar no preço final, mas estamos dando uma estimativa. Mas não é tabelamento, quem temque tomar contadisso é o Procom, os órgãos de defesa da concorrência, o consumidor. Com a estratégia comercial, estaremospróximosdospreçosdereferência,mas [o preçodoméstico] vai oscilar menos.

Valor: Houve críticas do mercado sobre falta de transparência.

Prates: Por que tenho que dar transparência? Sabe como o McDonald’s faz o preço do sanduíche? A cerveja da Brahma, sabe como é o preço? Preciso dizer quanto custa o litro de gasolina emcada região do Brasil? Usamos mais de 40 mil variáveis de uma plataforma que usa programação linear. Considera as refinarias, que óleo eu compro e em que volume de cada unidade, como faz a combinação de produtos e qual é amelhor logística para chegar emcadamercado,entreoutros pontos. Mas o preço internacional [do petróleo] tem grande pesonomodelo.Temquehaverum voto de confiança de que somos gestores responsáveis. Abrasileirar ospreçosnãoénacionalizarospreços nem fazer tabelamento ou isolar[a PetrobraseoBrasil] do mundo. As pessoas entenderam que não é [algo] do mal, não é um governo que vai usar demagogicamente os preços de gasolina. Compreendo perfeitamente as cobranças e aceito, estou tentando lidar com a tranquilização que requer o pós trauma [resultante do envolvimentodaPetrobrasnaLava-Jato].

Valor: A Petrobras divulgou premissas para o plano de negócios 2024-2028, indicando que pode ampliar investimentos em projetos de baixo carbono.Épara valer?

Prates: Ali envolve renováveis e sustentabilidade,alémdenegócios de descarbonizaçao, que também incluipetróleoegás.O investimento em projetos de baixo carbono [da Petrobras] é de 6% do capex e podemosevoluir até15%. Com esse percentual, estaremos igualando, e até passando, o que as empresas americanas fazem [nessa área]. O percentual das [petroleiras] europeias é maior. A Petrobras perdeu dez anos sem transição energética. Antes da Lava-Jato, houve outras razões para afirmar que a Petrobras era empresa só de petróleo, o próprio pré-sal levou a gente mais ainda para isso. Depois teve outras questões, não era mais a Lava-Jato, mas crise política. Com Temer e Bolsonaro, a Petrobras se fecha de vez na ideia de ser só uma empresa depetróleo,delucrar comopré-sal evenderoresto[dosativos].

Valor: Mas o fato é que ainda vai precisar do petróleo para financiar a transição energética.

Prates: Precisa dessa receita para financiaras renováveis.Tudo tem razoabilidade, ninguém vai sair fazendo mudanças radicais. A exploração e produção é o‘corebusiness’da empresa. A transição energética de uma empresa de petróleo é duplamente desafiadora. Descarbonizar a Petrobras ou outra grande empresa do setor é mudar o produto que vende com o carro andando. Não é trocar o pneu com o carro andando, é transformar um carro em um avião com ele andando. Não posso negligenciar a reposicão de reservas, tenho que estar produzindo petróleo aindadaqui a 40 anos. Talvez precisede um plano que olhe 30 anos à frente. Pensamos em fazer algo assim para o investidor perceber a direção estamos indo, uma vez que nossa tese principal é que queremos mais 70 anos, pelo menos, de Petrobras existindo, forte, sendo um bom veículo de investimento, ao contrário da gestão anterior que levava a companhia a, ocasionalmente, ser lucrativa para depois ser vendida.

Valor: A aposta na Margem Equatorial busca justamente a reposição de reservas de petróleo.

Prates: A Margem é formada por várias bacias sedimentares, do Rio Grande do Norte ao Amapá. É uma região que teve menos atenção no passado porque tudo estava voltado para o Sudeste [Campos e Santos]. Tem um horizonte [na Margem] etemos que ir atrás. Lá a questão sempre foi o licenciamento ambiental na bacia da Foz do Amazonas. Herdou-se essa situação de um bloco em que a Petrobras entrou e já tinha sido dado encaminhamento ao licenciamento, estamos tentando ver se conseguimos [a licença]. Se o Estado decidir que não deve ser explorado agora ou o poço não deve ser perfurado, não temproblema.

Valor: Caberia ao governo decidir onde é mais interessante explorar naquela região?

Prates: No governo anterior, tivemos o pedido de levar todos os equipamentos pra lá. Estamos tentando finalizar uma operação que começou a ser feita. A sonda, as aeronaves, helicópteros estão lá porque foi exigido um teste simulado real. O que estamos pedindo no recurso ao Ibama é que seja retomado o processo de licenciamento, que tenhamos condições de atender às solicitações adicionais da nova gestão [do instituto]. O novo Ibama é melhor, mais consciente. Não sou eu que vou dizer que o Ibama não serve ou que está fazendo mal ao país. É um discurso que outros podem fazer, eu não.

Valor:Como foi a conversa com a ministra Marina Silva?

Prates: Tivemos uma conversa de ambientalista para ambientalista. Tenho mestrado em gestão ambiental, sei comoéum licenciamento. Disse a ela que quero conciliar uma situação que herdamos, e acrescentei: ‘Será que conseguimos lhe dar garantias de que pelo menos a perfuração prospectiva do poço, para dizer se tem óleo no local, pode ser feita agora?’ Se não der, tá bom. Vamos fazer outra coisa com essa sonda. Ninguém feriu a lei como que está sendo feito [no Amazonas]. Houve uma portaria conjunta [dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente] que supriu ou dispensou a necessidade da AAAS [Avaliação Ambiental da Área Sedimentar] para a licitação desses blocos. A portaria é de 2012 e, em 2013, houve o leilão, alguém foi lá e arrematou. Depois a Petrobras comprou o bloco, que é uma concessão federal. Temos compromisso com a Agência Nacional do Petróleo [ANP] de perfurar um poço. Alicença não tem que ser dada a qualquer custo, mas é nosso dever recorrer. Houve uma negativa com condicionantes e estou dizendo que conseguimos atender a essas condicionantes.

Valor: A AAAS é de responsabilidade de quem, afinal?

Prates: A AAAs é uma conquista da ministra Marina na época do governo Dilma [Rousseff]. A AAAs é como se fosse um estudo regional, não é microlocalizado,um poço de um lugar específico. É como eu uso os recursos naturais de uma bacia sedimentar inteira. A Foz do Amazonas éaprojeção mar adentro,émais um conceito geológico do que geográfico. Se batizou assimporqueéali,mas [aextensão]é bem mais ampla. A AAAS vai dizer qual segmento pode ter um licenciamento de cada grau, onde precisa mais cuidadoeonde não vai terlicença.OAAAS servepara setorizarumagrandeáreaedizeroque pode eoquenãopodefazer ali.

Valor: Mas, a quem cabe fazer?

Prates:Ao Ministériode Minas e Energia, segundoaportaria, como Ministério de Meio Ambiente. Não tem nada a ver com a Petrobras. É uma coisa que tinha que ter precedido a licitação do bloco. A Petrobras e outras empresas só entrariamnas áreas liberadas.

Valor: A Petrobras tem expectativa de prazos para obter a licença?

Prates: Não, porque o órgão ambiental não tem prazo.O Ibama vai tomar a decisão em cima do recurso. Podem pedir mais exigências, dar a licença agora ou manter o indeferimento.O Ibama pode dizer que não vai licenciar por enquanto, propor prazo para a realização da AAAS. Mas não vai levar seis anos, a ministra Marina me disse quepode serfeitaem2,5anos.

Valor: A Petrobras fará oferta por bloco na Margem na Guiana?

Prates: Estamos adquirindo dados, não posso adiantar se vamos ‘bidar’. Mas é uma decisão independente daquelado Ibama. Não é uma vendeta: ‘Ah eu vou pra lá, se não der aqui.’É conhecimento da geologia de toda a região, estamos atrás de repor reservas.

Valor: Mudando de assunto, há críticas sobre o enfraquecimento da governança da Petrobras, em parte devido ao papel do Ministério de Minas e Energia no conselho da empresa.Como recebe as críticas?

Prates: O conselho é soberano, não posso comentar. O país precisadecidirsetemministério[deMinas e Energia] ounão. Se épara ter, prefiro teroministro como presidente do conselho [da Petrobras], como era antes. Na diretoria-executiva não há movimento para diminuir governança. Ela [a governança] é boa, ajuda, numa empresa de economia mista,anão teringerências indevidas. Não tem uma pessoa na gerência e na diretoria que tenha sido imposta a mim por qualquer político ou alguém de Brasília. O presidente Lula me deu liberdade de fazer a diretoria. São técnicos reconhecidos no refino, na logística, na exploração e produção. Todos têm currículo.

Valor: Por que nomear um ex-assessor de Nestor Cerveró, implicado na Lava-Jato, na diretoria jurídica?

Prates: Ele [Marcelo Oliveira Melo, advogado-geral da companhia] não foi criminalizado, investigado, nada. Ele tinha um escritório de advocacia quando saiu da Petrobras, alguém ligou do Uruguai para ele, fez uma pergunta se poderia criar uma pessoa jurídica brasileira, não uma offshore, que tinha, por sua vez, participação de uma offshore. Anos depois a LavaJato encontrou offshores que eram do Cerveró. Era uma offshore para alugar um apartamento dele, negóciodeplanejamentotributário.

Valor: Não haveria outros advogados para o cargo na Petrobras?

Prates: O cara [Melo] foi meu chefe, tenho relação pessoal. Ele não é corrupto, nem ajudou corrupto. Insisto, não é acusado de nada. É uma pessoa que conheci no começo da minha carreira, foi meu primeiro chefe na Petrobras. E foi quem primeiro chamei quando Lula falou de eu assumir a Petrobras. Liguei pro Marcelo e disse: ‘Preciso que você vá comigo.’É minha nomeação direta. Ele passou [para assumir o cargo] por todas as instâncias de governança e não houve nada contra ele.

Valor: O senhor é a favor de mudanças na Lei das Estatais?

Prates: Faria mudanças pontuais. Estou aqui sem ferir nada da lei original. As dúvidas que existiam, no meu caso,foram sanadas, se relacionavam ao fato de eu ter sido candidato a prefeito em Natal [RN]. A lei veta dirigente partidário [nas estatais]. A mudança que eu faria como legislador seria [vetar] dirigente partidário responsável pela aprovação de contas de campanha ou pela definição de candidatos, algo específico.

Valor: Vai estatizar a Braskem?

Prates: Não, que termo é esse?! Isso é governo Chávez [Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela]. Vamos trabalhar dentro da regra do mercado de ações. Posso vender e comprar, estamos observando e não podemos dizer o movimento que vamos fazer. Não faremos nada que não seja interessante para a Petrobras.

Valor: A Petrobras poderia voltar ao segmento de distribuição? Prates: Não sei. Vai voltar a ser uma empresa de postos se está indo para a transição energética? Queremos chegar perto do consumidor de novo. Como fará, se via Vibra [ex-BR Distribuidora] ou através de distribuidora nova, criando nova configuração,[será preciso analisar]. Valor: Vai rever o acordo com o Cade para a venda de refinarias?

Prates: Tenho a expectativa que, sem litígio e consensualmente, a gentedesfaçaesseacordo.

Fonte: Valor Econômico

[0] Comentários | Deixe seu comentário.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.