27 de junho de 2023

Suspeito de fraudar licitações para PRF era procurado pela Interpol quando fechou contratos com governos federal e do RJ

Autor: Daniel Menezes

Do G1 - O empresário Maurício Junot de Maria, suspeito de fraudar licitações de blindados para a Polícia Rodoviária Federal (PRF), entre 2020 e 2021, era procurado pela Interpol quando fechou contratos com o governo federal e com a Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Junot é um dos sócios da empresa escolhida para fornecer veículos blindados para instituições das áreas de segurança, a Combat Armor Defense. Na época em que venceu as licitações, era procurado por crimes financeiros nos Emirados Árabes.

A inclusão na lista da Interpol – a polícia internacional – não impediu a vitória nas concorrências. Ele ainda recebia segurança diária de agentes das polícias Rodoviária Federal e Penal.

 

O empresário Maurício Junot de Maria, sócio da Combat Armor Defense, no Brasil — Foto: Reprodução

O empresário Maurício Junot de Maria, sócio da Combat Armor Defense, no Brasil — Foto: Reprodução

Imagens de 2022 mostram Junot cercado de seguranças – todos policiais – na fábrica da empresa em Indaiatuba, no interior de São Paulo.

A TV Globo flagrou viaturas da PRF por vários dias na frente de uma loja da empresa, aberta em 2020 na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.

TV Globo flagrou viatura da PRF na porta da empresa Combat por vários dias — Foto: Reprodução/TV Globo

TV Globo flagrou viatura da PRF na porta da empresa Combat por vários dias — Foto: Reprodução/TV Globo

 

A loja foi fechada em abril, depois de passar por uma grande reforma. Muitos desses seguranças de Junot foram pegos de surpresa e ficaram sem receber.

Em nota, Maurício Junot diz que a "Combat nunca participou de nenhuma fraude ou corrupção" e vê "com muita tristeza o que está acontecendo, pois a Combat fez o melhor possível, com veículos de qualidade internacional, e por causa de divergências políticas colocaram a Combat em uma situação desconfortável e inverídica" (veja a nota completa no fim desta reportagem).

 

Sócios invadiram o Capitólio

 

Os outros sócios da Combat são os irmãos americanos Mark e Daniel Beck, apoiadores do ex-presidente Donald Trump e participantes da invasão ao Capitólio, em janeiro de 2021.

A proximidade da empresa de blindados com a Polícia Rodoviária Federal vem desde a instalação da Combat no Brasil, em 2019.

Em imagens feitas em setembro de 2020, Silvinei Vasques, então superintendente da PRF, apresentou as viaturas blindadas pela Combat, chamadas "Caveirinhas", ao então presidente Jair Bolsonaro e a deputados bolsonaristas.

"Esses veículos aqui nós já compramos. As 21 viaturas que serão transformadas nesse blindado aqui que é o que estamos chamando de caveirinha", disse Silvinei, na ocasião.

Na semana passada, na CPMI que apura os atos golpistas de 8 de janeiro, Silvinei Vasques negou que tenha pedido emprego na fábrica da Combat, em Indaiatuba, ao deixar a Superintendência da PRF. Neste momento, parlamentares que integram a comissão mostraram um cartão de visitas de Silvinei apresentado como vice-presidente da empresa.

 

 

Capital aumentou 27 vezes

 

Blindados comprados pela PRF da Combat — Foto: Reprodução/TV Globo

Blindados comprados pela PRF da Combat — Foto: Reprodução/TV Globo

Em 2020 e 2021, a Combat foi a vencedora de algumas das principais licitações para fornecimento de carros blindados para a segurança pública do governo federal e para a Polícia Militar do RJ. Contratos milionários que, em apenas quatro anos, ajudaram a aumentar o capital inicial da empresa em 27 vezes.

O valor do patrimônio pulou de R$ 1 milhão, em 2019, para a R$ 27,4 milhões, em 2022, de acordo com dados da Junta Comercial Paulista.

Por trás desse negócio lucrativo, está a experiência de Maurício Junot no mercado de blindagem. O empresário com dupla cidadania, brasileira e americana, era o dono da empresa HPC, que blindava as supervans usadas por executivos e membros do governo americano na área de conflito, na guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, em 2005.

 

 

Condenação em Dubai

 

A TV Globo teve apurou que, quando venceu as licitações federais e estaduais, Junot era procurado em Dubai. De acordo com o processo, Maurício Junot recebeu parte do pagamento para entrega de carros blindados, mas não cumpriu o contrato com o governo dos Emirados Árabes.

Segundo uma fonte ouvida pelo Jornal Nacional e pelo g1, Junot deixou Dubai quando soube que seria preso e levou com ele US$ 8 milhões.

 

"Quando o governo detectou que ele fez essa movimentação no banco que o governo foi em cima dele, que detectou que se tratava de uma fraude, de um estelionatário de alta performance. No que o governo decretou a prisão dele, ele fugiu, saiu fugido do país, deixando tudo para trás", contou.

 

O empresário foi condenado, na ocasião, a três anos e meio de cadeia. A sentença terminou em maio de 2023 após acordo de Junot com o governo local.

O nome do empresário só saiu da lista de procurados, em 2022, por causa de uma nova determinação da Interpol, que excluiu os autores de crimes financeiros.

Quando a Combat ganhou a licitação da PRF no Rio, Junot ainda era procurado.

De 2020 a 2022, a PRF pagou R$ 33,5 milhões para blindar viaturas e fabricar blindados.

 

Na semana passada, o Jornal Nacional mostrou que o Ministério Público Federal também investiga se houve fraude no processo de licitação para a compra de blindados pela PRF.

Com a Polícia Militar do Rio, foram dois contratos: em março de 2021 e abril de 2022: 30 blindados, totalizando mais de R$ 20 milhões.

 

Atrasos e qualidade questionada

 

O deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha, presidente da Comissão de Tributação e Controle, da Assembleia Legislativa do Rio, suspeitou dos valores e prazos de entrega muito curtos e solicitou ao Tribunal de Contas do Estado uma auditoria no cumprimento das licitações.

Numa inspeção feita em 2022, o TCE descobriu atraso na entrega de todos os blindados. Pelo menos sete carros da PM não tinham nota fiscal, nem documentação obrigatória para validação da blindagem.

Em todos eles também faltavam rádio de comunicação apropriado para uso da corporação. O TCE determinou a suspensão do pagamento à Combat, além de proibir a empresa de participar de licitações por quatro meses. Até agosto. A Polícia Militar do Rio multou a Combat em R$ 614 mil.

A equipe de reportagem contou nove veículos parados no pátio da instituição. Alguns nunca foram usados.

 

Há ainda outros problemas envolvendo a empresa: um relatório técnico de uma comissão interna da PM do RJ que avalia a fabricação dos blindados revela que 51 pontos foram reprovados. Entre os itens condenados estão blindagem das escotilhas, do motor, proteção dos pneus e problemas no sistema de freio.

De acordo com especialistas, alguns dos novos blindados da PM começaram a quebrar logo que foram para as ruas, em 2022.

 

Caveirão que pegou fogo era da Combat

 

Caveirão destruído pelo fogo — Foto: Reprodução

Caveirão destruído pelo fogo — Foto: Reprodução

Caveirão que foi incendiado por traficantes há duas semanas, depois de ser atacado por um coquetel molotov na favela Bateau Mouche, na Zona Oeste do Rio, era da Combat.

 

Nos últimos seis meses, só uma equipe de reboque fez mais de dez resgates de blindados quebrados. Um vídeo mostra um Caveirão usado há mais de dez anos rebocando outro, novo, que teve falha de embreagem.

Em troca de áudios, PMs falam dos problemas com os veículos:

 

"O blindado já quebrou, irmão, novo, chegou semana passada, irmão. Que doideira, hein?"

 

 

"Os blindados chegaram agora, irmão. O do sétimo também quebrou, o colega falou aqui agora, falou que o motorista falou que o motor é muito pesado, não consegue...faz muita força pra puxar"

 

Um engenheiro mecânico e consultor de segurança, que pede para não ser identificado, acompanhou de perto a fabricação dos blindados e reforça o risco que esses defeitos representam para a segurança dos policiais.

"É, pelo menos essa parte mecânica é, teríamos mais segurança. Não sabemos se foi. Porque a própria questão do motor que nós falamos no início, ela está totalmente desproporcional. Você não tem que força, é uma viatura e você não tem força para subir com força, transpor obstáculos, tá? E você hoje tem barricadas. Você tem vários objetos colocados, então, é, o agente, ele fica muito limitado no sentido que ele tem uma ferramenta que pode falhar numa situação crítica. Essa é a verdade."

 

Auditores do TCE encontraram irregularidades no certificado de capacidade técnica dos veículos.

O atestado de excelência do serviço prestado pela Combat foi dado pela empresa americana High Protection Company, desativada desde 2019 e que também tem Junot como sócio.

 

Encontros com Witzel e Eduardo Bolsonaro

 

Os irmãos Mark e Daniel Beck junto com o ex-governador do RJ, Wilson Witzel e o empresário Maurício Junot — Foto: Reprodução

Os irmãos Mark e Daniel Beck junto com o ex-governador do RJ, Wilson Witzel e o empresário Maurício Junot — Foto: Reprodução

Os irmãos Mark e Daniel conheceram Junot na igreja mórmon e, juntos, passaram a frequentar clubes de tiro. Junot tem registro de caçador, atirador e colecionador de armas e pratica com um fuzil.

A reportagem apurou que a família Beck se interessou pelo mercado brasileiro com as vitórias de Jair Bolsonaro para presidente e Wilson Witzel para governador do Rio de Janeiro – ambos defensores da população armada.

 

Os americanos visitaram o Rio e tiraram fotos com o ex-governador Witzel, que sofreu impeachment (veja acima).

Em um outro registro, Junot aparece em foto com o deputado federal Eduardo Bolsonaro e Misael de Sousa, lobista da indústria de armas (veja abaixo).

Junot com o deputado federal Eduardo Bolsonaro e Misael de Sousa, lobista da indústria de armas — Foto: Reprodução

Junot com o deputado federal Eduardo Bolsonaro e Misael de Sousa, lobista da indústria de armas — Foto: Reprodução

 

O que dizem os citados

 

Combat Armor informou, em nota, que "todos os veículos cedidos à PRF foram fruto de uma licitação séria, dentro dos protocolos legais e transparentes".

"Participamos de uma audiência pública com vários fornecedores para entender a que se referia a licitação da PRF. A Combat Armor Defense participou do processo de licitação, cumpriu com todas as exigências do certame e foi declarada vencedora. Entregamos todos os veículos em contrato de acordo com a lei. A Combat nunca participou de nenhuma fraude ou corrupção. Seguimos um rígido código de conduta, e valorizamos todos os princípios legais e éticos. Não fomos notificados pelo TCE e não existe nenhum problema de descumprimento de contrato por parte da Combat. Foram entregues e aceitos os 32 veículos contratados na licitação", acrescenta a nota.

 

Mauricio Junot de Maria afirmou que "vê com muita tristeza o que está acontecendo, pois a Combat fez o melhor possível, com veículos de qualidade internacional, e por causa de divergências políticas colocaram a Combat em uma situação desconfortável e inverídica".

"Os blindados da Combat entregues à PMERJ são acompanhados regularmente por nossa assistência técnica, que trabalha juntamente com os batalhões para manter os veículos em condições de uso. Os veículos foram entregues e aceitos de acordo com o descritivo técnico da licitação. A Combat produz carros com a mais alta tecnologia mundial em blindagem de níveis pesados. São preparados a fim de salvar as vidas dos policiais. Quanto à unidade do Rio de Janeiro que o fechamento da loja se deu por questões estratégicos da empresa. Somos apolíticos, e salientamos que nosso compromisso é com a segurança da população e do brasileiro", diz a nota.

A equipe de reportagem entrou em contato com o advogado Eduardo Pedro Nostrani Simão, que defende Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Polícia Rodoviária Federal (PRF), em nota, informou que "é um órgão de Estado, com atribuições inerentes à segurança pública, conforme preconizado no artigo 144 da constituição federal. Não há, ou não foi encontrado no curto período disponibilizado para análise, nenhum pedido para segurança da referida empresa".

 

Polícia Militar do Rio de Janeiro esclareceu que " todos os questionamentos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) referentes ao citado processo foram devidamente esclarecidos. No momento, o Comando da Corporação aguarda a decisão do TCE".

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