22 de agosto de 2023

Defesa de Bolsonaro ignora acórdão do TCU de 2016 para tentar afastar crime de peculato nas joias

Autor: Redação

(FOLHAPRESS) - A defesa de Jair Bolsonaro (PL) tenta afastar a suspeita de peculato no caso da venda de joias recebidas de autoridades estrangeiras, afirmando que o ato estaria enquadrado, no máximo, em uma infração administrativa.

Uma das hipóteses consideradas pelos investigadores, o crime de peculato consiste no ato de apropriação, por funcionário público, de dinheiro, valor ou bem público ou particular de que ele tenha posse em razão do cargo.

Fica configurado também quando há desvio desse bem em proveito próprio ou alheio. A pena é de 2 a 12 anos de prisão, além de multa.

Os advogados do ex-presidente dizem que Bolsonaro tinha o direito de vender as joias e apenas atribuem a um "equívoco" ou "desinformação" por parte da assessoria da Presidência a falta de comunicação prévia sobre a intenção do ex-mandatário.

O cerne do argumento da defesa está em uma legislação de 1991, mas desconsidera decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) de 2016 que estabeleceu regras mais claras, e mais rígidas, em relação aos presentes recebidos pelos presidentes.

A defesa de Bolsonaro afirma que a decisão da corte de contas "não trata sobre a alienação de bens do acervo privado de interesse público dos presidentes".

"Nem poderia pois o TCU não pode revogar uma lei aprovada no Congresso que expressamente cria o permissivo de alienação e estabelece direitos hereditários sobre tais bens", afirmou em nota.

De acordo com as investigações da Polícia Federal, Bolsonaro e auxiliares levaram artigos de luxo para os Estados Unidos e lá os colocaram à venda.

Um lote de joias foi oferecido em site de leilão, mas não houve interessados. Um relógio da marca Rolex foi negociado. Posteriormente, os artigos foram resgatados para serem entregues ao Estado brasileiro por determinação do Tribunal de Contas da União.

A legislação prevê a alienação dos itens que compõem os acervos presidenciais, desde que atendidas algumas formalidades. Por exemplo, oferecê-los à União, que tem preferência de compra para eventual incorporação ao patrimônio público.

Bolsonaro não fez nenhum comunicado, segundo disse à Folha a defesa do ex-presidente. "Não houve comunicação prévia à Comissão de Memória dos Presidentes da República, por algum equívoco ou desinformação da assessoria da Presidência", afirmou.

"Porém essa é uma mera irregularidade de caráter administrativo e que não convola o bem privado em público, de sorte que não há possibilidade, nem mesmo em tese, de ser havido como objeto de peculato", completou a defesa do ex-presidente.

A defesa de Bolsonaro entende que os artigos de luxo pertencem a Bolsonaro e que ele tinha amparo legal para dispor deles como bem entendesse. Sustenta essa linha de argumentação com base em uma lei e um decreto presidencial que definiram regras sobre o assunto.

A lei 8.394/1991, do governo Fernando Collor, trata da preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República.

De acordo com ela, os documentos que constituem o acervo presidencial privado são, na sua origem, de propriedade do presidente, "inclusive para fins de herança, doação ou venda".

A norma diz que a União terá direito de preferência em uma eventual venda e que os artigos também "não poderão ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União".

Editado na gestão Fernando Henrique Cardoso, o decreto 4.344/2002 regulamentou a lei e definiu que os acervos documentais privados dos presidentes são "os conjuntos de documentos, em qualquer suporte, de natureza arquivística, bibliográfica e museológica, produzidos sob as formas textual (manuscrita, datilografada ou impressa), eletromagnética, fotográfica, filmográfica, videográfica, cartográfica, sonora, iconográfica, de livros e periódicos, de obras de arte e de objetos tridimensionais".

Esse arcabouço legal terminou por levar a uma situação em que os próprios presidentes e seus auxiliares estariam definindo, sem uma regra clara, o que ao final do mandato ficaria sob domínio público e o que seria incorporado ao patrimônio privado.

Em 2016, o TCU concluiu um julgamento (acórdão TCU 2255/2016) que definiu balizas sobre recebimento e posse de presentes pelos mandatários.

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