27 de março de 2024

Governo Tarcísio analisa há 15 meses recomendação para demitir Da Cunha por abuso de autoridade e constrangimento ilegal

Autor: Redação

Ele foi acusado à época de forjar prisão de líder do PCC para ganhar seguidores. Sugestão da Polícia Civil para que Da Cunha seja desligado da corporação passou também pela gestão Rodrigo Garcia.

 

A Polícia Civil de São Paulo recomendou em 2022 a demissão do delegado Carlos Alberto da Cunha da instituição num dos processos disciplinares contra ele: o de forjar e filmar a prisão de um suposto chefe do Primeiro Comando da Capital (PCC) para ganhar seguidores nas redes sociais (saiba mais abaixo).

Desde então, a decisão sobre o processo está em análise na Assessoria Jurídica do Governo (AJG). Ficou um mês sob avaliação da gestão Rodrigo Garcia (que estava à época no PSDB) e, na atual, de Tarcísio de Freitas (Republicanos), está há 15 meses.

No entanto, nem a gestão de Rodrigo nem a de Tarcísio demitiu Da Cunha, que continua sendo delegado (leia mais nesta reportagem). Delegados só podem ser demitidos pelo governador.

Não há prazo máximo para a decisão do governador, mas a sanção pode expirar se não for encaminhada em até cinco anos a partir do dia em que a falta foi cometida. Atualmente, Da Cunha está afastado da Polícia Civil, sem recebimento do salário, por estar exercendo a função de deputado federal em Brasília pelo Partido Progressistas de São Paulo (PP-SP).

O delegado influencer posta vídeos de ações policiais para seus seguidores. Só no Youtube, são mais de 3,7 milhões de fãs. No Instagram, são mais de 2 milhões de seguidores.

Procurado, Da Cunha informou por meio de nota que não comentará o assunto.

"O Deputado Delegado Da Cunha não se manifestará sobre processos que correm em segredo de justiça. O parlamentar aguarda com serenidade e confiança o trâmite dos respectivos procedimentos administrativos", informa o comunicado.

 

Réu por abuso e agressão

 

Da Cunha foi investigado pela Corregedoria da Polícia Civil, que o responsabilizou por abuso de autoridade e constrangimento ilegal durante uma operação da qual ele participou em 2020 em São Paulo. Depois, o Conselho da Polícia Civil, formado por cerca de 20 delegados diretores do estado, decidiu que ele deveria ser punido com a demissão da instituição para o bem do serviço público.

O motivo? Após chegar atrasado a uma ação policial que estourou um cativeiro, libertou a vítima e prendeu o sequestrador, Da Cunha repetiu a operação para que ela fosse filmada. A encenação acabou divulgada em suas redes sociais e em emissoras de televisão (veja acima).

O caso ocorreu em julho de 2020 numa comunidade da Zona Leste da capital paulista. Além de responder processo administrativo por crimes funcionais na Corregedoria da Polícia Civil, Da Cunha foi acusado na Justiça comum de ter cometido abuso de autoridade e constrangimento ilegal por simular o flagrante do estouro de um cativeiro de sequestro.

Ministério Público (MP) o acusou criminalmente e, em fevereiro deste ano, a Justiça tornou o delegado réu neste caso. Ele ainda não foi julgado.

Da Cunha já era réu em outro processo, de violência doméstica, no qual é acusado de agredir e ameaçar matar sua ex-companheira em 2023 em Santos, litoral paulista (veja o vídeo abaixo). O julgamento não foi marcado.

Conselho sugere demissão

 

Delegado da Cunha faz sucesso nas redes sociais ao mostrar cotidiano da Polícia Civil — Foto: Reprodução/Facebook

Delegado da Cunha faz sucesso nas redes sociais ao mostrar cotidiano da Polícia Civil — Foto: Reprodução/Facebook

 

O pedido de demissão de Da Cunha feito pelo Conselho da Polícia Civil seguiu em 2022 para conhecimento da Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo, que à época era comandada pelo general do Exército João Camilo Pires de Campos. Em seguida, a pasta encaminhou a recomendação para o governo estadual, que tinha Rodrigo Garcia como mandatário.

Desde 2023 o secretário da SSP é o capitão da Polícia Militar (PM) Guilherme Derrite e o governador do estado é Tarcísio de Freitas. Derrite é deputado federal licenciado pelo PL.

Segundo a atual gestão, o pedido para demitir Da Cunha continua sob análise da Assessoria Jurídica do Governo (AJG). O órgão, que é ligado a Procuradoria Geral do Estado, terá de dar um parecer, que poderá ser favorável ou não pela demissão. Pelo regramento, o documento será levado depois para Tarcísio decidir se concorda ou não com o que foi sugerido pela AJG.

 

Encenação

De acordo com a acusação feita pela Divisão de Crimes Funcionais da Corregedoria da Polícia Civil, Da Cunha fez com que um homem libertado de um sequestro e o criminoso que foi preso por cuidar do cativeiro voltassem à residência para atuarem como figurantes. Desse modo, encenariam todo o resgate de novo, mas com a participação de outros policiais que não tinham participado da operação.

A vítima tinha sido sequestrada para passar pelo chamado "tribunal do crime", que é o julgamento feito por criminosos. Segundo a investigação da Corregedoria, Da Cunha simulou toda a situação para que pudesse gravar o vídeo como se tivesse invadido um barraco e salvado a vítima, para fazer crer a seus seguidores que ele se encarregara da execução do trabalho, o que não correspondeu à verdade.

O entendimento da Corregedoria foi o de que ele usava equipes e equipamentos da polícia, como armas e viaturas, para se promover pessoalmente e ganhar dinheiro nas plataformas da internet em que publica os vídeos.

Após a repercussão na imprensa por causa da denúncia, o delegado chegou a gravar outro vídeo admitindo ter feito a simulação. Ele justificou a medida como uma "reconstituição" do caso.

 

"Todos os delegados que trabalharam em delegacias antissequestro e, principalmente, no setor de homicídios, sempre fazem a reconstituição do local do crime. Eu sou professor de processo penal e gosto muito disso e, assim, não tinha como perder”, disse Da Cunha.

 

 

Policiais que investigaram a denúncia entenderam que a reprodução feita por ele não tinha amparo legal para ser realizada. Geralmente, a reconstituição é feita por peritos da Policia Técnico-Científica e ocorre na fase do inquérito policial, não durante o flagrante. Ela serve para esclarecer alguma divergência entre as partes envolvidas.

 

Corregedoria responsabilizou delegado

 

 Delegado Da Cunha comemorou a devolução do distintivo e funcional nas redes sociais — Foto: Reprodução/Instagram

Delegado Da Cunha comemorou a devolução do distintivo e funcional nas redes sociais — Foto: Reprodução/Instagram

Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra Da Cunha terminou com o entendimento da Corregedoria da Polícia Civil de que ele cometeu uma falta disciplinar grave.

Em julho de 2021, o delegado foi afastado preventivamente das funções pela Polícia Civil após declarar publicamente que "há ratos na polícia". Ele teve ainda distintivo e armas recolhidos pela instituição.

 

Em agosto de 2021, Da Cunha pediu licença não remunerada por dois anos e se candidatou a deputado federal pelo PP. Foi eleito no ano seguinte com mais de 180 mil votos para assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Em julho de 2023, ele informou na sua rede social que teve a carteira funcional restituída e a pistola 9 mm devolvida. Procurada, a SSP informou à época que a decisão administrativa foi do delegado-geral de São PauloArthur Dian. Mas não explicou o motivo disso.

 

O que diz Rodrigo Garcia

 

O então governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), durante evento no Palácio dos Bandeirantes em 2022 — Foto: Divulgação/Arquivo/GESP

O então governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), durante evento no Palácio dos Bandeirantes em 2022 — Foto: Divulgação/Arquivo/GESP

Procurado para comentar o assunto, o ex-governador Rodrigo Garcia informou, por meio de nota, que nem chegou a tomar conhecimento do processo pela demissão de Da Cunha.

 

 

“O parecer jurídico não foi concluído e, por isso, nenhum processo foi submetido à decisão do Governador Rodrigo Garcia. O processo chegou à Assessoria Jurídica do Governador (AJG), área responsável pela orientação jurídica e preparação dos atos, somente em dezembro de 2022", informa a nota.

 

O então governador concorria à reeleição naquele ano, vencida por Tarcísio.

O deputado estadual Delegado Olim (PP) no plenário da Alesp. — Foto: Divulgação/Alesp

O deputado estadual Delegado Olim (PP) no plenário da Alesp. — Foto: Divulgação/Alesp

Em agosto de 2022, o deputado estadual Delegado Olim, também do PP, disse, em entrevista ao canal do Youtube "Diário de Polícia", que pediu ao governador para segurar a demissão de Da Cunha.

 

"Ele só não foi mandado embora [ainda] porque eu pedi para o governador segurar. Ele [Cunha] vai ganhar para deputado, acho que vai ser um bom deputado, e vai pagar tudo que ele já fez, e viu que não levou a lugar nenhum", disse Olim, antes da eleições daquele ano.

Sobre a declaração de Olim, Rodrigo Garcia informou que não irá comentar o assunto.

 

O que diz o governo Tarcísio

 

O então governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, e o governador eleito, Tarcísio de Freitas, durante coletiva sobre a primeira reunião de transição no Palácio dos Bandeirantes. — Foto: Divulgação/GESP

O então governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, e o governador eleito, Tarcísio de Freitas, durante coletiva sobre a primeira reunião de transição no Palácio dos Bandeirantes. — Foto: Divulgação/GESP

Procurada para se posicionar a respeito do processo de demissão de Da Cunha, a SSP confirmou que o pedido de demissão continua sob análise na Assessoria Jurídica do Governo.

 

"Um dos procedimentos está em análise pela assessoria técnica do governo", informa trecho da nota enviada pela assessoria da secretaria comandada por Derrite.

 

A própria SSP admite que Da Cunha responde a mais cinco processos administrativos na Polícia Civil que podem resultar na expulsão dele da instituição. Todos os procedimentos passaram pela apuração da Corregedoria da Polícia Civil e chegaram ao conhecimento do Conselho da Polícia Civil. Ainda não há confirmação de quais são eles, se foram encerrados e as decisões sobre os mesmos.

 

 

"Todos são analisados de acordo com a Lei Orgânica da Instituição e os processos seguem em segredo de Justiça. A decisão final é divulgada no Diário Oficial", informou a SSP.

 

Já o governo de São Paulo informou que avaliou e concluiu 180 processos disciplinares contra servidores públicos desde o início da gestão de Tarcísio, incluindo alguns que estavam pendentes desde a administração passada.

Por meio de nota, a assessoria do governador esclareceu que o processo que pede a demissão do delegado Da Cunha segue em análise por sua área técnica. "As análises dos procedimentos ainda em curso são realizadas de forma absolutamente técnica e sob o rigor da Lei."

 

"Desde o início da atual gestão, foram avaliados e concluídos 180 processos disciplinares, incluindo os que estavam pendentes de análise desde a gestão passada. Os resultados foram remetidos às secretarias responsáveis e publicados no D.O [Diário Oficial], quando determinado pela legislação vigente. As análises dos procedimentos ainda em curso são realizadas de forma absolutamente técnica e sob o rigor da Lei", comunicou o governo Tarcísio.

 

 

Delegado Bilynskyj

 

Paulo Bilynskyj aparece abraçado ao governador Tarcísio de Freitas em foto publicada na página do delegado no Instagram em 30 de outubro de 2022 — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal/Instagram

Paulo Bilynskyj aparece abraçado ao governador Tarcísio de Freitas em foto publicada na página do delegado no Instagram em 30 de outubro de 2022 — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal/Instagram

 

Além de Da Cunha, a Secretaria da Segurança Pública foi questionada sobre o processo que resultou no pedido de demissão de outro delegado influenciador, Paulo Francisco Muniz Bilynskyj, que tem mais de 1 milhão de seguidores no Instagram.

Em agosto de 2022, a SSP havia informado que o Conselho da Polícia Civil recomendou a demissão dele após o delegado ter sido acusado pela Corregedoria da Polícia Civil de crimes funcionais.

 

“O Conselho da Polícia Civil deliberou pela demissão do delegado Paulo Francisco Muniz Bilynskyj. De acordo com a Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo, há prazo de 30 dias para que o Delegado Geral, dentro de sua alçada, aplique eventuais penas ou peça que outras instâncias o façam, conforme suas competências”, informava o comunicado enviado pela pasta da Segurança, à época sob o comando do general Campos.

 

Imagem publicada em 2020 por Paulo Bilynkskyj mostra homens representando "examinadores" e mulher como "concurseiro" — Foto: Reprodução/Redes sociais

Imagem publicada em 2020 por Paulo Bilynkskyj mostra homens representando "examinadores" e mulher como "concurseiro" — Foto: Reprodução/Redes sociais

 

Um dos processos que Bilynsky respondeu foi o de postar em 2020 um vídeo considerado ofensivo em suas redes sociais. A postagem fazia referência a "examinadores" de concursos públicos representados por homens negros. E mostrava uma mulher branca, que faria o papel de um "concurseiro".

Segundo policiais que analisaram a denúncia, o conteúdo tinha cunho racista e sugeria uma situação de estupro. Numa das legendas atribuídas à imagem, o texto dizia que "concurseiro" que não tem uma "retaguarda de conhecimentos que aguente a profundidade com que a banca introduz os conteúdos e diversas posições doutrinárias" pode se dar mal. "E aí... a situação fica preta!".

O anúncio foi retirado da página após a repercussão do caso. O delegado Paulo Bilynsky, como é conhecido, era professor do curso. Em 2022, ele foi eleito deputado federal pelo Partido Liberal (PL).

Procurada, a SSP informou por meio de nota que Da Cunha e Billynsky estão afastados temporariamente das funções de delegados.

 

"Afastados para o exercício de atividade parlamentar, os delegados respondem individualmente a cinco procedimentos administrativos e disciplinares instaurados pela Corregedoria da Polícia Civil", informa trecho do comunicado.

 

Indagada sobre como estão os processos contra os delegados, a pasta da Segurança respondeu que "os demais, incluindo os que já receberam manifestação do Conselho da Polícia Civil, seguem em curso".

 

"Somente após a conclusão dessas etapas é que os procedimentos serão encaminhados para análise e manifestação do chefe do Executivo paulista”, informa o comunicado, se referindo a Tarcísio como o responsável por decidir sobre o futuro dos policiais.

O comunicado não respondeu, no entanto, o que aconteceu com o processo que chegou ao Conselho da Polícia Civil e recomendava a demissão de Billynksy. E também não informou quais são as outras denúncias contra ele. Fontes da reportagem disseram que esse procedimento pode ter sido arquivado em algum momento pela SSP. Questionada sobre isso, a pasta não respondeu.

 

O que diz Bilynskyj

 

Delegado Paulo Bilynskyj foi eleito deputado federal pelo PL de São Paulo — Foto: Reprodução/Instagram

Delegado Paulo Bilynskyj foi eleito deputado federal pelo PL de São Paulo — Foto: Reprodução/Instagram

 

Procurado para comentar o assunto, o delegado Paulo Bilynskyj informou, por meio de comunicado, que aguarda a SSP se posicionar a respeito dos processos disciplinares contra ele.

 

"O deputado federal Delegado Paulo Bilynskyj informa o Processo Administrativo referente aos fatos tratados encontra-se na Secretaria de Segurança Pública aguardando parecer para posterior remessa dos autos, se o caso, ao Palácio do Governo do Estado de São Paulo", informou o parlamentar à reportagem, por meio de nota divulgada por sua assessoria de imprensa. O parlamentar reforça ainda que não houve decisão de demissão ou perda de cargo e que a opinião do Conselho, datada de 2022, é meramente opinativa."

 

Paulo Bilynskyj tem 37 anos e já chegou a ter a arma e o distintivo de delegado retirados pela Polícia Civil em 2022 após publicar conteúdo nas suas redes sociais em que aparece atirando, criticando os movimentos de esquerda e convocando seus seguidores a participarem de atos em apoio ao então presidente Jair Bolsonaro (PL).

Questionada neste mês, a SSP informou, por meio de nota, que a "devolução da arma e distintivo do delegado ocorreu em 5 de outubro de 2022".

Em 2020 Bilynskyj foi baleado pela então namorada, Priscila Barrios, que depois se suicidou, segundo investigação da Polícia Civil de São Paulo.

 

O caso ocorreu no apartamento do delegado após uma discussão entre eles. Ele tomou seis tiros e chegou a ficar internado e depois teve de amputar um dos dedos da mão devido às sequelas. A Justiça arquivou o caso.

 

Fonte: G1

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