10 de abril de 2024

Moraes não ameaçou processar advogado, como afirmou autor dos 'Twitter files'; investigação era do MP-SP e sobre o PCC

Autor: Redação

Do Jornal O Globo - Após alcançar 30 milhões de pessoas com os "Twitter Files" (Arquivos do Twitter, em tradução livre), o jornalista americano Michael Shellenberger, autor das publicações feitas em 3 de abril, escreveu no X (antigo Twitter) na última terça-feira que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ameaçou processar criminalmente o advogado do Twitter no Brasil, Rafael Batista, "se ele não fornecesse informações privadas". O responsável pelo processo contra Batista, no entanto, é o Ministério Público de São Paulo, e não tem relação alguma com Moraes.

Uma semana após a série de 24 tuítes popularizada como "Twitter Files", a acusação de Shellenberger de que Moraes ameaçou processar criminalmente Batista alcançou 3 milhões de pessoas e colocou mais combustível na narrativa bolsonarista de que o Brasil vive uma escalada autoritária em razão de uma imaginada parceria entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Moraes. O episódio mobilizou o alto escalão do governo federal nos últimos dias, que rebateu a declaração de Musk de que descumpriria decisões judiciais no Brasil.

A inconsistência foi exposta pela advogada Estela Aranha, ex-secretária de Direitos Digitais do ministério da Justiça do governo Lula na gestão Flávio Dino. Em 2021, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), vinculado ao MP, solicitou ao Twitter dados cadastrais de uma conta na plataforma, em investigação voltada para a prisão de um líder do PCC. A empresa, no entanto, negou-se a fornecer os dados, sustentando que as informações disponíveis daquela conta só poderiam ser entregues mediante ordem judicial. As informações constam em um processo obtido pelo GLOBO.

O MP levou então o caso ao Tribunal de Justiça de São Paulo, que deu razão a Batista, em decisão assinada pela desembargadora Cláudia Fonseca Fanucchi. O caso foi tratado pelo advogado em conversa com seus colegas — o que é exposto nos "Twitter Files". Eles mostram uma suposta troca de e-mails entre funcionários da plataforma, relatando decisões judiciais no Brasil. Incluem inclusive relatórios semanais que a filial da empresa enviava à sede, nos Estados Unidos.

Em sua conta na rede social, o americano confunde as histórias. Ele escreveu: "O que descobrimos nos chocou: Alexandre de Moraes e outros funcionários do governo ameaçaram processar criminalmente o advogado do Twitter no Brasil se ele não entregasse informações privadas e pessoais, incluindo números de telefone das pessoas e suas mensagens diretas pessoais!"

Coautores dos 'Twitter Files' admitem engano

Os próprios coautores da publicação, David Ágape e Eli Vieira, admitem que Moraes não ameaçou processar o funcionário do Twitter. "É correto dizer que Moraes não estava ligado ao caso do Rafael Batista, sendo alvo de investigação criminal por 'desobediência' por um procurador do MP-SP", escreveu Vieira, também no X. "A publicação do Twitter Files Brasil está correta, mas o comentário do Mike tem uma imprecisão", reconheceu Ágape.

Shellenberger expôs 23 prints de conversas de e-mails em que os funcionários do Twitter relatam a insistência de autoridades brasileiras na obtenção de dados de pessoas investigadas por ataques à democracia. Alguns deles não se referem sequer ao Poder Judiciário.

Seis desses prints tratam do caso do MP-SP. Um outro se atém à solicitação do Congresso Nacional à empresa de conteúdo de mensagens trocadas entre usuários, na esteira da CPI das Fake News. Há ainda uma mensagem sobre uma ordem judicial de um tribunal de São Paulo para que o Twitter revelasse a identidade de críticos do ex-deputado estadual Fernando Capez, ligado ao PSDB — nenhuma das situações têm relação com Moraes.

Batista também relata que a empresa recebeu ordens judiciais para agir contra perfis de forte apoio a Bolsonaro, como Allan dos Santos, Vlog do Lisboa, Oswaldo Eustáquio, Jornal da Cidade Online, Camila Abdo e outros.

"Esses são fortes apoiadores do presidente Bolsonaro e têm constantemente se engajado em ataques coordenados contra a Suprema Corte", escreveu o funcionário, acrescentando que, embora o inquérito estivesse sob sigilo, "a ordem judicial foi vazada para a imprensa e repercutiu bastante".

A sequência de prints é intercalada com comentários particulares de Shellenberger adjetivando a atuação da Justiça Eleitoral, como "isso representou uma escalada significativa nos esforços antidemocráticos do tribunal (TSE)" ou "essas exigências (feitas pelo TSE) pareciam ter motivação política para atingir o sentimento pró-Bolsonaro".

Há inclusive reclamação da equipe do Twitter com o fato de o Google ter entregado ao Senado, em 2021, 200 gigas de vídeos excluídos pelo YouTube, relacionados à investigação da CPI da Covid sobre a condução do governo Bolsonaro na pandemia.

As queixas no Twitter são manifestadas com afirmações como a do então diretor jurídico do Twitter, Diego de Lima Gualda, de que "há um forte componente político nessa investigação e a Corte está tentando pressionar por compliance".

O "Twitter Files" foi o gatilho para o acirramento da tensão entre Elon Musk, dono do X, e autoridades brasileiras no último fim de semana. Musk ajudou a repercutir o caso e a propagar a ideia de que Moraes está promovendo uma escalada autoritária no Brasil, com cerceamento de liberdades.

Procurados, Shellenberger e Batista não retornaram o contato.

[0] Comentários | Deixe seu comentário.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.