29 de outubro de 2024
Um balanço da eleição em Natal: eleição, mídia, pesquisas e o que vem por aí
Autor: Daniel MenezesSenta que lá vem textão, mas acho que valerá a pena ler tudo.
A ELEIÇÃO MAIS DESIGUAL DA HISTÓRIA
O pleito finalmente acabou e, com ele, a alteração da conjuntura política em Natal e no RN. Antes de mais nada, é preciso que se diga: foi a eleição mais desigual da história da cidade, com o uso mais aberto e reiterado da máquina pública na eleição municipal. Desse modo, foi possível retirar Carlos Eduardo do segundo turno - espécie de antecipação do segundo turno no primeiro - e ganhar de Natália no final.
Todas as secretarias funcionaram abertamente para eleger Paulinho Freire e seus vereadores - há fotos de funcionários atuando em horário de expediente em movimentações de rua, denúncias de servidores sendo assediados, terceirizados e áudios. Os questionamentos institucionais aproveitados pela campanha de Natália vieram até de vereadores eleitos que já aderiram agora a Paulinho Freire.
Assim como no primeiro turno, uma mega operação foi montada, utilizando a rede de lideranças comunitárias e vereadores eleitos e não eleitos para transportar os eleitores. Apenas um vereador chegou a colocar no primeiro turno 80 veículos no dia da eleição. Há vídeos deles atuando nas comunidades, inclusive, com carros de som e outras atividade, espalhando conteúdo falso contra Natália, conteúdo este reconhecido como tal pelo pleno do Tribunal Regional Eleitoral na reta final da campanha.
Esses micro comitês faziam convencimento porta a porta, espalhavam conteúdo apócrifo em pontos de fluxo (igrejas, por exemplo) e distribuição de dinheiro também foi diretamente constatada. Mais uma vez: há vídeos, ações policiais e da justiça eleitoral contra distribuição de dinheiro e formação de rede de transporte de eleitores no dia da eleição.
O PT sabia de tudo o que acontecia e, inclusive, reunindo farto material a judicializando. No fim de semana, montou uma rede de fiscalização - isto é público e está nas redes sociais dos militantes - para tentar minimizar o impacto, mas foi em vão. Neste aspecto, faltou ainda uma maturidade profissional ao partido, que não soube enfrentar a situação, ainda que ciente dela.
No domingo, coincidentemente, os ônibus sumiram pela manhã. Eleitores não conseguiram votar porque não se locomoveram. Tivemos, não por acaso, 32% de alienação eleitoral (branco, nulos e abstenção) e, obviamente, o eleitor bolsonarista anti-lulista é menos dependente de transporte público. Natália ia melhor nas periferias e Paulinho entre os estratos médios e ricos. A tática de cercear o transporte de um dos lados surgiu em 2022 e se espraiou pelo Brasil nesta eleição. E, ora, qualquer pessoa minimamente experiente sabe aonde está voto de quem e como eles se locomovem. Assim como ocorreu com Carlos Eduardo no primeiro turno, Natália sangrou mais com a abstenção.
Por fim, a comparação com o apoio de Fátima por suposto uso da máquina estadual é risível e uma fórmula de tentar normalizar o que ocorreu no pleito. Não existia rede de vereadores, de deputados ou de lideranças vinculadas ao governo ou à Natália, fazendo o que estava sendo feito pelo outro lado. Serviços não funcionavam em torno da eleição. Não existiram denúncias, flagrantes, nada disso. A narrativa só é uma tentativa de desviar o foco.
Para fechar com chave de ouro, a ponte foi iluminada no fim de semana de azul, formando um 44, número de Paulinho. Na segunda feira, ela voltou a ser iluminada de rosa, já que estamos no outubro rosa e não no outubro azul 44.
A MÍDIA
Enquanto isso, a mídia de Natal andava sincronizada com o horário político de Paulinho Freire, muitas vezes esquentando pautas para que elas fossem levadas ao horário político eleitoral do candidato. Veículos alinhados com o governo do RN, de uma hora para outra, passaram de maneira diária a conceder capas e mais capas contra tudo que dissesse respeito à Natália. O modus operandi nasceu em 2022 contra Carlos Eduardo em Natal na campanha pelo senado e ganhou em ostensividade agora em 2024.
O famigerado projeto de descriminalização do furto nunca existiu. A palavra descriminalização sequer está no léxico do projeto de lei. O documento de 18 páginas, que é público, não toca no tema. Ele apenas regulamenta o que já é praticado no Brasil por orientação vinculante do STF. E, além disso, equipara o furto por extrema necessidade (com casos emblemáticos lá citados) ao crime de sonegação fiscal até 20 mil reais, que estabelece penas de restrição de direita e/ou multa. Ora, que isto viesse a rodar no whatsapp já era previsível, mas não foi apenas isto - a notícia falsa ficou sendo reaquecida durante toda a campanha em veículos de imprensa oficiais.
A parcialidade reiterada também alcançava agendas nunca defendidas por Natália - ela nunca defendeu invasão de propriedade, nunca defendeu o uso de maconha, facções ou a libertinagem sexual.
Alguns poucos jornalistas, inclusive do mainstream, tentaram se opor a isto, em parte porque discordavam do que estavam vendo. Em parte porque sabiam que uma vitória de Paulinho significa que serão colocados para escanteio pelos que monopolizam sua comunicação e vão continuar a tocá-la nos próximos. Mas foi em vão.
AS PESQUISAS
A tática das pesquisas foi a mesma que foi posta em prática em 2012 quando Carlos Eduardo foi candidato e contratou todos os institutos da cidade. Naquele momento, todos deram a vitória tranquila de Carlos Eduardo em primeiro turno e Mineiro com 10% dos votos. Aberta a urna, o segundo turno se caracterizou sem nenhuma dificuldade e Mineiro obteve 23% dos votos, menos de 1% atrás do segundo colocado Hermano Morais.
A tática já foi posta em prática também quando os números foram monopolizados em descrição de uma falsa vitória de Henrique Alves e Vilma em 2014. Ou para dizer que Zenaide estaria fora do senado em 2018. Os fatos são frescos na memória porque, em todas essas situações, remamos isoladamente contra a corrente que depois se confirmou.
Em matéria de números, caro leitor, é preciso ficar atento a muitas coisas que não só os resultados. Por exemplo, muitas pesquisas eram registradas e depois retiradas do sistema de registro pesqele. Isto aconteceu, inclusive em abundância, um dia antes da eleição.
Além disso, é preciso ficar atento aos números internos e ao movimento dos bastidores. Enquanto saíram pesquisas no início do segundo turno que davam empate técnico, números vindos da campanha de Paulinho esticavam a situação para 20 pontos de diferença, resultado nunca existente.
A demonstração de poder e a vaidade são tônicas que sempre entregam o que realmente as pessoas estão pensando. Enquanto os números pró-paulinho saíam dando 20 pontos de diferença, pesquisas circulavam apontando 1 a 2 pontos de vantagem para um dos lados em levantamentos feitos por políticos com institutos de outros estados que não participavam diretamente do jogo, mas queriam saber o que estava acontecendo.
Empresários e membros da equipe de Paulinho fecharam apostas - também normais em todas as eleições - pela cidade em defesa de uma diferença de 10 a 20 mil votos pró-paulinho, isto é, 2 a 3 pontos de vantagem, isto na reta final de campanha. O assunto era chacota em qualquer mesa de café em que gente influente estava sentada, inclusive com piadas sobre curvas de pesquisa insustentáveis e ensandecidas - saia com 10, ia para 20 e depois voltava pra dez de vantagem para Paulinho em questão de poucos dias, sem qualquer fato novo. Note que de modo sintomático nenhum desses institutos foram acusados no pós-campanha de erro.
O Instituto Seta foi o que não fechou com Paulinho. Daí a intensficação dos ataques, mentiras, vídeos editados e muitas deslealdades, mas que obviamente faz parte do jogo. Após os primeiros resultados publicados, em linha com o que estava sendo dado pelos institutos nacionais de muito acirramento (não aqueles ligados ao bolsonarismo e que decretaram a vitória de Bolsonaro em 2022, por exemplo, que receberam ampla divulgação em Natal em 2024), a parceria foi encerrada. Com a estrutura já montada, o instituto fez as últimas a partir dela.
E, ora, pesquisa é retrato do momento e não tem a capacidade de alcançar o que aconteceria no fim de semana da eleição já narrado, nem muito menos a gigantesca alienação eleitoral que impactou fortemente - também por ações artificiais também já descritas - Natália.
O RESPEITO DE CAMPANHA DE NATÁLIA PARA COM PAULINHO FOI UM ERRO
A candidata Natália Bonavides fez uma campanha eminentemente positiva, de posicionamento de sua imagem. Como os militantes gostam de dizer, uma eleição da alegria, uma eleição bonita. Sim, eu compreendo o que está sendo dito. Só que não se ganha eleição assim.
Natália aceitou passivamente Paulinho Freire esconder Jair Bolsonaro. Freire posicionou Bolsonaro abaixo do pré-sal porque sua rejeição é maior do que a de Lula em Natal. Por isso, o trouxe no início do pleito para sinalizar para os evangélicos e estratos econômicos mais elevados da cidade e só. Ao se referir ao presidente Lula, de repente, ele e outros bolsonaristas passaram a chamá-lo de "senhor presidente", nomenclatura incomum a adeptos dessa ideologia. Isto ocorria porque cerca de 20% dos seus eleitores aprovavam o governo Lula. Enquanto Natália não tinha praticamente um eleitor simpático ao bolsonarismo. Até agora é simplesmente irracional conceber que a campanha de Natália não tenha feito o mesmo que o candidato petista fez contra um bolsonarista em Fortaleza, mostrando os efeitos do bolsonarismo na pandemia, na produção da fome, as falas contra os nordestinos, etc. Isto teria sangrado Paulinho Freire.
Além disso, Natália, enquanto era chamada de maconheira, defensora da libertinagem e do roubo, não trazia à tona nada do passado de Paulinho Freire. Vídeos, áudios e "matérias" de blogs extremistas insinuavam uma falsa ligação com facções. Montagens com conotação sexual faziam parte da paisagem dos grupos de whatsapp de cidadãos ditos cristãos. Sim, ela citou alguns dos escândalos em que ele é investigado e fez referência a ele ter sido vice de Micarla de Sousa. Mas cá para nós - isso era denúncia café com leite diante do que ela estava sofrendo.
Enquanto isso, todo mundo se perguntava quando a campanha de Natália faria rodar os escândalos pessoais de Paulinho Freire. Ora, se Paulinho Freire estivesse enfrentando Paulinho Freire, todos eles viriam à tona com a possibilidade de mudança no resultado final. No entanto, eles nunca foram utilizados.
Tripudiar como Paulinho Freire tripudiou em plena segunda feira pós vitória, indo ao programa de Micarla e fazendo o discurso que fez, o tornou ainda menor e desprezou o respeito que Natália lhe concedeu durante a eleição.
O QUE VEM PELA FRENTE
É insofismável que ele e todo o seu grupo vão continuar a utilizar o antipetismo no modo hard que foi aplicado durante a campanha para fazer a travessia durante os primeiros anos de gestão, tendo as contas do município em condição de penúria e sem a menor condição de realizar aquilo que prometeu.
Cultiva o mais simples realismo quem não acredita em união duradoura entre Paulinho Freire e o ex-prefeito Álvaro Dias. Sim, o uso da máquina por Dias foi central para a vitória de Paulinho. Só que são dois políticos que gostam bastante de espaço. Daí que bastará Paulinho tomar pé da máquina para ir afastando o grupo de Dias, retirando lhe todas as secretarias que o ex-prefeito negociou para ocupar.
Já em busca do governo do RN, o bolsonarismo também não se desarmará, o que forçará o governo Fátima a recompor sua coalizão. O PSD e o União Brasil saem extremamente fortalecidos do pleito.
E Natália irá para a oposição. Obtendo cerca de 45% dos votos, saiu maior do que o esperado do pleito. Hoje, é um dos principais nomes do PT no RN e saberá tirar o que aconteceu em 2024 como lição num processo semelhante ao enfrentado em 1996 pela hoje governadora Fátima Bezerra.
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