20 de fevereiro de 2025
Casal denuncia que sofreu homofobia no Midway Mall em Natal
Autor: Daniel Menezes
Do Saiba Mais
O que era para ser apenas um passeio no shopping se transformou em uma tarde de constrangimento, violência emocional e terror psicológico para o casal Diógenes Alves Gomes e Giovany Silva Nascimento, que denunciaram terem sido vítimas de ataques homofóbicos, na última segunda-feira (17), na praça de alimentação do Midway Mall, no bairro do Tirol, na região Leste de Natal. O crime, segundo Diógenes, foi praticado por um grupo de quatro homens, aparentando entre 50 e 60 anos de idade, que ofenderam a ele e ao seu companheiro chamando-os de “doentes”, entre outros termos depreciativos, apenas por vê-los de mãos dadas.
Em um longo desabafo postado nas redes sociais, Diógenes narrou em detalhes o episódio ocorrido no shopping. A reportagem da Agência Saiba Mais conversou com ele no final da manhã da terça-feira (18), na praça de alimentação do Midway Mall, mesmo local onde o casal sofreu as agressões homofóbicas, quando ele deu mais informações sobre o caso. Durante a conversa, disse que não teve medo em momento algum, mas estava “revoltado”.
O namorado dele, Giovany Silva, também havia confirmado participação na entrevista, mas cancelou porque estava emocionalmente abalado. Diógenes contou que o parceiro só conseguiu dormir à base de tranquilizante na noite do episódio e, no dia seguinte, não conseguiu levantar da cama.
“Tem muito ‘viado’ no mundo”, disseram os agressores
De acordo com Diógenes, os insultos começaram quando ele e Giovany chegaram à praça de alimentação do shopping para lanchar. Ele fez questão de enfatizar que os dois se sentaram um de frente para o outro, não trocaram carícias e nem fizeram nada que pudesse chamar a atenção das outras pessoas. Ainda assim, isso não foi suficiente para evitar as agressões homofóbicas do grupo que estava sentado próximo a eles.
“Quando a gente sentou para comer, começamos a ouvir as agressões, só que no início não sabia se eram dirigidas a nós. Depois, eles começaram a olhar pra gente, falando alto, dizendo que tinha muito ‘viado’ no mundo”, contou Diógenes, que é formado em enfermagem, é servidor público concursado do Governo do Estado e da Prefeitura de Parnamirim e trabalha no Hospital Walfredo Gurgel (HWG) e na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Nova Esperança.
Diógenes conversou com nossa reportagem na praça de alimentação do Midway Mall, onde sofreu agressões homofóbicas. Foto: Agência Saiba Mais
No início, Diógenes disse que não estava ligando para os agressores, mas eles continuaram falando alto, tanto que ouviu um deles dizer que o filho havia ganhado um abadá da empresa onde trabalhava para usar no Carnatal, mas ele proibiu o rapaz de ir porque no bloco “só tinha viado”.
O grupo parecia obcecado por esse assunto, porque, segundo Diógenes, enquanto ele e o namorado estavam na praça de alimentação, o bate-papo entre os quatro senhores girou apenas em torno da preocupação deles com o crescimento do número de gays no mundo.
“Os xingamentos eram esses, eles diziam que no mundo tem muito viado, que tinham que virar homem, esse tipo de coisa, mas enquanto eles não se dirigiram diretamente a mim, eu ignorei”, relatou.
“Eu só peguei na mão do meu namorado”, disse Diógenes
A situação mudou quando Diógenes e Giovany se levantaram para ir embora porque entenderam que o ambiente estava muito hostil. Ao passarem pela mesa onde os quatro homens estavam sentados à volta, o grupo se incomodou quando viu o casal de mãos dadas e um deles desferiu a primeira agressão dirigida diretamente aos namorados.
“Ele falou assim: ‘Olha aí o que eu estou falando, eles andam de mãos dadas e tudo’. Eu sequer olhei para eles, só peguei na mão do meu namorado e estávamos saindo. Foi então que voltei e perguntei por que eles estavam incomodados, em que isso feria ou atingia eles”, narrou.
Giovany, namorado de Dipogenes, ficou emocionalmente abalado após sofrer agressões homofóbicas. Foto: Cedida
Diógenes contou que, ao questionar os agressores, eles o trataram com desdém, deboche e, falando alto, pediram para alguém “chamar os seguranças para esse doido”. Ele admitiu que reagiu aos xingamentos do grupo homofóbico, que sua intenção era “partir para cima deles” porque estava “revoltado”, mas foi segurado pelo namorado.
“Em nenhum momento eu tive medo. O sentimento que eu não senti foi medo. Meu namorado passou mal à noite inteira, chorou muito antes de dormir e está na cama até agora [final da manhã de terça-feira], porque isso nunca aconteceu com ele”, revelou.
“Meu namorado falou: não vai, não vai”, narrou Diógenes
Giovany mora no município de Arez, distante 61 km de Natal. O jovem de 26 anos é professor de música, dá aula de canto e faz parte do Madrigal da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “Toda semana ele vem para Natal para os ensaios do Madrigal, então nos vemos com frequência, porque ele passa os finais de semana na minha casa”, contou Diógenes.
Foi Giovany quem conteve Diógenes quando ele pensou em partir para cima dos agressores. “Meu namorado falou: não, não vai, não vai”, disse. Até então, mesmo com a confusão já chamando a atenção das demais pessoas que estavam na praça de alimentação, nenhum segurança do shopping havia percebido o que estava acontecendo.
Contido pelo namorado, Diógenes decidiu procurar os seguranças. Ele disse que, ao relatar a situação para o funcionário do shopping, o homem não foi ao local da confusão, limitando-se a informar que passaria o caso ao seu “superior”.
Oito ligações para o Ciosp
O superior da segurança apareceu alguns minutos depois. Diógenes relatou as agressões a ele, que o orientou a ligar para a Polícia Militar. O rapaz, então, ligou para o Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp). No total, fez oito ligações para o 190, a primeira delas às 16h13, solicitando ajuda aos policiais.
A PM, segundo Diógenes, avisou que a viatura estava a caminho. Depois de algum tempo, os policias chegaram ao shopping, mas para atender outro caso que também aconteceu na praça de alimentação.
Diógenes exibe número de ligações para o Ciosp. Foto: Agência Saiba Mais
O coordenador da segurança do shopping informou aos policias militares sobre o episódio de homofobia, eles disseram que estavam cientes da situação, mas não poderiam atender ao caso, porque estavam atendendo outra demanda e iriam “passar um rádio para outra viatura”.
Diógenes ligou novamente para o Ciosp, mas dessa vez, segundo ele, foi atendido de forma grosseira. O policial que o atendeu, conforme seu relato, perguntou se ele sabia como funcionava uma escada, falou que era preciso subir “um degrau de cada vez” e afirmou que ele teria de esperar, sem dar nenhuma previsão, porque uma viatura não teria como dar conta de dez demandas.
Segurança do Midway impediu vítima de gravar agressões
Diógenes afirmou que, orientado pelo seu advogado, tentou gravar os insultos dos agressores para produzir provas do crime de homofobia, mas foi impedido pelo supervisor da segurança do shopping, segundo quem era proibido filmar no local.
“Um dos agressores apontava pra mim e me chamava de doente, mais de uma vez, mas não consegui gravar, mesmo com meu advogado dizendo para gravar, porque o segurança do shopping me inibiu”, denunciou.
Enquanto isso, as agressões continuavam. Um dos homens apontou para Diógenes, segundo o relato da vítima, dizendo que o amigo dele era “um pastor, um pregador, um homem de família, aí vem um doente desse perturbar a paz de um idoso”.
Diógenes contou que o supervisor da segurança o convidou ele e o namorado a irem para uma “sala reservada” enquanto esperavam a chegada da Polícia Militar, mas eles se recusaram a ir com receio de que os agressores fossem embora impunemente.
“Viado, doente e doido”, foram algumas das agressões ouvidas por Diógenes e Giovany
Os agressores tentaram intimidar o casal dizendo que pediriam as imagens das câmeras de segurança do shopping para processá-los por “calúnia e difamação”, apesar de terem agredido os dois jovens com insultos de “viado”, “doente” e “doido”, além de mandarem eles “virar homem”.
Agressores continuaram fazendo ofensas mesmo na frente dos seguranças do shopping. Foto: Cedida
“Um deles falou que precisava pegar o filho que estava saindo da universidade e que não poderia perder tempo por causa de um doente. Ele usou o termo doente mais de uma vez”, revelou Diógenes.
Não satisfeitos em agredir o casal, eles também debochavam de Diógenes e Giovany, segundo a vítima, verbalizando expressões como “esteja preso”, ironizando a possibilidade de serem responsabilizados pelo crime de homofobia.
Vítima cansou de esperar
Depois de oito ligações para o Ciosp e de esperar em vão pela chegada da Polícia Militar, Diógenes decidiu ir embora, mesmo com raiva, porque seu namorado tinha começado a passar mal e estava emocionalmente desestabilizado.
“O policial que me atendeu [no Ciosp] foi bem claro pra mim, disse que não sabia que horas a viatura chegaria, não tinha nenhuma previsão e que eu tivesse paciência, porque existiam outras demandas na minha frente”, contou.
Diógenes disse que, se não fosse a situação do namorado, ele teria esperado o tempo necessário, mas diante da incerteza sobre a ida ou não dos policiais e da continuidade dos xingamentos, proferidos na frente dos seguranças do shopping, que em momento algum interviram na situação, achou melhor ir embora.
Quando estava de saída do shopping, ele contou que recebeu uma ligação do Ciosp informado que a viatura estava a caminho do Midway. Diógenes, no entanto, explicou que não estava mais no local em razão de tudo o que havia acontecido. O policial, segundo ele, foi cordial e pediu desculpas por não ter conseguido atender a situação em tempo hábil.
“O policial disse que tinha acionado a viatura e que ela estava sendo encaminhada, mas perguntei: encaminhada quando? O crime estava acontecendo no shopping, os policiais entraram no local, estavam cientes do que estava acontecendo e deixaram passar um crime em flagrante. Eles poderiam ter dado a ordem de prisão em flagrante, mas sequer vieram falar comigo, nem para dizer ‘aguarde um pouquinho que a gente já volta’ e eu continuei sendo xingado”, desabafou Diógenes.
Não foi a primeira agressão
Diógenes revelou que essa não foi a primeira vez que sofreu ataques homofóbicos. Em 2021, no mesmo Midway Mall, ele foi xingado, mas não reagiu porque seu companheiro à época o pediu para ignorar o caso.
O enfermeiro relatou que faz tratamento para transtorno de ansiedade generalizada e a situação que viveu no shopping foi um gatilho muito forte, tanto que ele não conseguiu ir trabalhar. O médico dele determinou seu afastamento do trabalho pelo prazo de três dias em razão da situação de estresse agudo que ele viveu.
Devido à situação da sua saúde mental, Diógenes precisou mudar de função no trabalho. No Walfredo Gurgel, ele passou a trabalhar como secretário de internação. Já na UPA de Parnamirim, foi readaptado para a estatística.
Mãe está “preocupadíssima”
O enfermeiro de 31 anos de idade nasceu em Natal, mas foi criado em Rio do Fogo, onde sua família reside. Ele voltou para a capital há 10 anos para fazer faculdade. Depois de se formar, passou em três concursos públicos, foi convocado em todos, mas escolheu os cargos no Governo do Estado e na Prefeitura de Parnamirim.
Diógenes contou que sua mãe está “preocupadíssima” com ele, pediu para ele “deixar para lá” porque “ela sabe como funcionam essas coisas” e tem medo do que pode acontecer com ele. “Ela vê o noticiário todo dia o que acontece”, disse ele, citando os casos de homofobia que acontecem diariamente no país.
Ele disse que sempre recebeu apoio da família, nunca sofreu discriminação em casa e é “extremamente querido” inclusive pelos familiares evangélicos. “Não é por ser evangélico que você tem o direito de agredir ninguém. Nada justifica”, enfatizou.
Boletim de Ocorrência
Diógenes só conseguiu registrar um boletim de ocorrência virtual no final da tarde da terça-feira. Após voltar do shopping, onde conversou com nossa reportagem, ele contou que teve uma crise de ansiedade muito forte e precisou tomar um ansiolítico sob prescrição médica.
Na manhã desta quarta-feira (19), ele foi à Delegacia Especializada no Combate a Crimes Raciais, Intolerância e Discriminação (Decrid), no bairro de Lagoa Nova, acompanhado da coordenadora de Diversidade Sexual e de Gênero (Codis) da Secretaria Estadual das Mulheres, Juventude, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Semjidh), Rebecka de França, para fazer um novo boletim de ocorrência.
Diógenes registrou boletim de ocorrência na Delegacia Especializada no Combate a Crimes Raciais, Intolerância e Discriminação (Decrid). Foto: Cedida
Rebecka ressaltou que crimes como o sofrido pelo casal no Midway Mall, motivados em razão de orientação sexual, “estão passíveis de serem punidos” desde a criação pelo Governo do Estado do Departamento de Proteção a Grupos em situação de vulnerabilidade (DPGV), inaugurado em março de 2024 pela governadora Fátima Bezerra (PT).
“A Semjidh, junto com a Secretaria Segurança [Sesed], está de mãos dadas para que nenhum tipo de preconceito aconteça mais. A nossa governadora criou esse departamento para que nada mais pudesse acontecer com as pessoas LGBTs aqui em Natal”, disse a coordenadora.
Rebecka de França, coordenadora de Diversidade Sexual da Semjidh. Foto: Reprodução
A assessoria de comunicação da Polícia Militar, em nota curta enviada à nossa reportagem, informou que o “Centro Integrado de Operações da Segurança Pública (Ciosp) foi contactado e enviou uma viatura ao local. No entanto, ao chegar ao endereço informado, os envolvidos já não estavam mais presentes”.
Midway disse que “não tem interesse em se manifestar”
Procurada pela nossa reportagem, a assessoria de comunicação do Midway Mall não retornou nossas mensagens até o fechamento da matéria. Já uma integrante da assessoria jurídica disse que o shopping “não tinha interesse em se manifestar” sobre o ocorrido.
A mesma assessora disse que o shopping só forneceria as imagens das câmeras de segurança se houvesse uma determinação judicial, em razão da lei de proteção de dados.
Foto: Reprodução/Site Midway Mall
Já um dos supervisores de segurança do shopping, também ouvido pela nossa reportagem, colocou em dúvida alguns pontos do relato de Diógenes. Ele negou que exista a proibição de filmar dentro do Midway Mall.
Perguntado se poderia questionar o funcionário se ele realmente havia impedido a vítima de gravar as agressões, o supervisor disse que, como o segurança estava de folga, não tinha como checar a informação.
O funcionário da segurança disse estranhar o relato de Diógenes, afirmando que, pelas imagens das câmeras de segurança, era possível ver que ele estava “segurando o celular”, aparentemente como se estivesse gravando alguma coisa.
Diógenes reafirmou que o supervisor de segurança presente no dia da agressão o impediu de filmar a confusão. Ele contou que estava de fato segurando o celular, mas para falar com seu advogado, que o instruiu a como proceder.
O máximo que Diógenes conseguiu registrar foi uma foto à distância de alguns dos agressores. A pedido dele, os seguranças do shopping informaram os nomes de dois dos homens que o agrediram com os insultos homofóbicos.
O supervisor ouvido pela nossa reportagem assegurou que os trabalhadores que atuam na segurança do shopping recebem treinamento específico para lidar com situações que envolvem casos de homofobia, entre outras formas de discriminação.
RN sem LGBTfobia
De autoria do então deputado estadual e atual deputado federal Fernando Mineiro (PT), a lei estadual nº 9.036/2007 combate e pune a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero no Rio Grande do Norte.
A lei, conhecida como “RN sem LGBTfobia”, só foi regulamentada em fevereiro de 2024, 17 anos depois da sua aprovação pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte (ALRN), pela governadora Fátima Bezerra, através do Decreto nº 33.337.
Entre outros pontos, a lei prevê punições para qualquer manifestação discriminatória contra cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros, sendo aplicada a toda organização social ou empresa, de caráter privado ou público no RN, além de também abranger detentores de função pública, civil ou militar.
Foto: Reprodução
Já a lei estadual nº 10.761/2020, de autoria do ex-deputado estadual Sandro Pimentel (PSOL), torna obrigatória a afixação de cartazes em estabelecimentos públicos e privados informando que “Discriminação por orientação sexual e identidade de gênero é ilegal e acarreta multa – Lei Estadual nº 9.036/2007”.
O cartaz deve ter, no mínimo, 28 cm de largura por 21 cm de altura, ser afixado em local visível, de preferência na área destinada à entrada de clientes e usuários dos serviços públicos.
A lei se aplica, entre outros lugares, a “prédios comerciais” e “locais públicos de intensa movimentação de pessoas”, como é o caso do Midway Mall. Em caso de descumprimento da legislação, o estabelecimento fica sujeito à multa, que será revertida aos órgãos de proteção aos direitos da comunidade LGBTQIA+.
Midway não cumpre Lei “RN sem LGBTfobia”
A assessoria jurídica do Midway Mall disse que desconhecia a lei que obriga a fixação dos cartazes informando sobre as penalidades para o crime de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero no Rio Grande do Norte.
Midway Mall descumpre legislação que determinação fixação de cartaz informando sobre penalidades para o crime de LGBTfobia. Foto: Agência Saiba Mais
A nossa reportagem percorreu todos os andares do shopping e constatou que, tanto nas áreas de circulação comum, como corredores e praça de alimentação, quanto nas lojas não há nenhum cartaz afixado.
De acordo com a assessoria jurídica do shopping, a informação seria repassada para a administração do estabelecimento comercial, a fim de sanar essa deficiência, sem, no entanto, dar um prazo para que os cartazes, como determina a lei, sejam afixados.
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