9 de abril de 2025

Relator da ONU sugere revisão da Lei da Anistia, de 1979: ‘Abriu as portas para a impunidade’

Autor: Daniel Menezes

Msn.com - O jurista Bernard Duhaime, relator da ONU para a Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição, afirmou que o Brasil deveria revisar a Lei da Anistia, de 1979, texto que permitiu que agentes públicos não fossem processados por violações aos direitos humanos durante a ditadura militar. Para o jurista, a lei “abriu as portas para a impunidade” ao garantir que agentes que cometeram tortura ou assassinatos a dissidentes políticos do regime não respondessem por seus crimes.

Segundo Duhaime, a norma está em conflito com acordos internacionais assinados pelo Brasil. “Há vários problemas em relação à compatibilidade da Lei de Anistia com a legislação internacional de direitos humanos. Então, acho que, em 2025, seria importante revisitar esse assunto para garantir que a lei esteja de acordo com a lei internacional de direitos humanos”, afirmou o jurista durante entrevista nesta segunda-feira, 7, no Rio de Janeiro, em que realizou um balanço de sua visita ao País.

Para o jurista da Organização das Nações Unidas, a concessão de anistia nos termos da lei de 1979 promoveu uma “cultura de impunidade” que propiciou o ressurgimento de práticas autoritárias. Como exemplo, citou o ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

A Lei da Anistia perdoou os crimes políticos cometidos durante a ditadura militar, permitindo que dissidentes do regime retomassem suas atividades políticas. O benefício foi estendido aos que se encontravam com direitos políticos cassados. Por outro lado, o texto acolheu a noção de crimes “conexos” aos delitos políticos. Esse termo, na prática, contemplou violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado. Em razão da anistia aos crimes “conexos”, militares que cometeram torturas e assassinatos contra dissidentes não puderam ser processados.

A revisão da Lei da Anistia foi negada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2010. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questionou o perdão concedido aos “crimes conexos”. A entidade argumentou que essa redação foi “propositalmente obscura”, blindando os agentes do Estado de forma velada. A OAB argumentou que não era possível a “auto anistia”, ou seja, o Estado perdoar a si próprio. Também se alegou que o perdão aos crimes de tortura e assassinato era incompatível com a nova ordem legal do País, inaugurada com a Constituição de 1988, que estabelece como um de seus princípios a dignidade da pessoa humana.

Os argumentos da OAB foram rebatidos por Eros Grau, relator da ação. O ministro argumentou que a menção aos “crimes conexos” não pretendeu, de modo “obscuro”, perdoar agentes do regime. Segundo Grau, as consequências do texto, na verdade, foram amplamente conhecidas na época, e o perdão aos crimes “conexos” consistiu em uma solução de compromisso para que a abertura política fosse levada adiante. Para o relator, uma eventual revisão da Lei da Anistia precisaria partir do Poder Legislativo, a exemplo do que ocorreu na Argentina e no Chile.

O voto de Eros Grau foi seguido por sete ministros: Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cesar Peluso. Dois ministros discordaram do relator: Carlos Ayres Britto e Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça.

Quatro anos após o julgamento, em 2014, uma nova ação sobre o tema foi protocolada pelo PSOL. Com base em uma decisão da Organização dos Estados Americanos (OEA), o partido argumenta que a anistia prevista na lei de 1979 não é cabível quando o crime é permanente; nos casos em que houve, por exemplo, ocultação de cadáver. A nova ação está sob relatoria de Dias Toffoli e está pronta para ser pautada no plenário da Corte.

A ação protocolada pelo PSOL é uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). Além dela, tramitam no STF três outros casos que podem formar uma jurisprudência sobre o assunto. Como mostrou o Estadão, a repercussão do filme Ainda Estou Aqui, que retrata o assassinato do ex-deputado federal Rubens Paivaimpulsou a tramitação do processo sobre o homicídio do parlamentar e de outros casos envolvendo crimes de agentes públicos durante a ditadura.

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