20 de abril de 2025

Crédito e incertezas no exterior são desafios para empresas neste ano, dizem especialistas

Autor: Daniel Menezes

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - As empresas entraram em 2025 com a expectativa de que o vento mudasse ao longo do ano. O respiro vinha da possibilidade de fim da alta de juros, o que traria uma maior estabilidade para os planos de expansão e investimentos a longo prazo. Isso porque o Brasil havia encerrado 2024 com crescimento de 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e das atividades nos setores de comércio, indústria e serviços. Faltava diminuir o custo do crédito.

Mas, no início de abril, o governo dos Estados Unidos adicionou uma peça a mais na complexa engrenagem econômica mundial, com reflexos no desenvolvimento empresarial brasileiro. Donald Trump, presidente dos EUA, anunciou uma nova política de juros sobre produtos importados, atingindo diversos parceiros comerciais. O Brasil foi taxado com a menor alíquota (10%). Mas a repercussão da decisão traz ainda mais incerteza e se soma a outros desafios.

Gargalos brasileiros ficam mais evidentes

tarifaço de Trump se une a outros problemas que, historicamente, travam o desenvolvimento empresarial no Brasil. Segundo especialistas, as empresas enfrentam gargalos como o custo do financiamento, a falta de mão de obra qualificada, a baixa produtividade, o acesso à tecnologia e inovação, e a complexa carga tributária do país.

 

“O juro alto tem um efeito complicado para uma série de setores, em especial para o consumo, o varejo, e as construtoras, porque encarece muito o crédito. Com isso, as pessoas ficam endividadas e não conseguem manter o padrão de consumo. Além do que, a inflação continua fora da meta e desancorada”, diz Rodolfo Olivo, professor da FIA Business School.

Claudia Yoshinaga, professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), afirma que o juro alto torna os planos de expansão das empresas mais caros, porque elas vão pagar mais para ter crédito para investimento. “Estamos em fase de Selic alta, o que não impede a expansão das empresas, mas torna os planos mais caros. As empresas vão ter que analisar se os projetos vão render para compensar o custo do dinheiro”, afirma.

Reforma tributária traz desafio extra

Em meio a juros altos e tarifaço, há ainda os impactos da reforma tributária, que vem para desburocratizar o pagamento de impostos pelas empresas. Em janeiro deste ano, foi sancionado o primeiro projeto de regulamentação, que criou dois novos tributos para substituir cinco outros existentes. Entram em cena a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em nível federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), nos Estados e municípios, que serão implementados gradualmente até 20233. Saem de cena o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS. Ainda está em discussão a alíquota do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). Embora a reforma busque simplificar os tributos, ela também deverá aumentar a arrecadação de impostos – e a conta chega nas empresas.

Para Mozart Wierzchowski, mestre em Direito Tributário e sócio-fundador da MBW Advocacia, o principal desafio será precificar os produtos e serviços para refletir a nova carga tributária. Isso porque os tributos vão encarecer a produção nacional, mas nem sempre vai dar para repassar tudo ao consumidor. “Será preciso diminuir o lucro”, afirma.

Neste cenário, o caixa da empresa será impactado por maior recolhimento de tributos e menor lucro, o que pode levar ao esvaziamento dos investimentos.

Para as empresas, o ideal é observar o planejamento tributário para buscar formas legais de pagar menos imposto. Entre essas alternativas, está rever a forma de tributação. Em geral, a opção mais prática para os contadores pode não ser a mais vantajosa para as empresas, explica Wierzchowski.

Novas tecnologias exigem mais recursos

Em meio ao cenário de juros altos, elevada carga tributária e possíveis impactos do tarifaço, as empresas brasileiras enfrentam o desafio de implementar novas tecnologias e desenvolver inovações.

O acesso à tecnologia já não é mais problema, diz Claudia, porque ele está mais democratizado, e os avanços dos países desenvolvidos não demoram muito para chegar ao Brasil. O entrave é colocar isso em prática. “Em termos de ter acesso e conhecimento das novas tecnologias, isso está cada vez mais rápido. Mas implementar esses avanços nas indústrias existe um custo que vai estar dolarizado, e para quem opera em reais, isso não está exatamente acessível”, pondera.

Olivo também cita os custos de implementação como barreira para a inovação e tecnologia nas empresas. “Para inovar, as empresas têm que investir. E, neste momento, elas estão receosas”, afirma Olivo.

Além disso, ele destaca que a inovação está atrelada à mão de obra qualificada, um desafio que vai além das empresas. Em 2024, só 54,5% da população com 25 anos ou mais havia concluído o ensino médio, segundo o IBGE. Embora o porcentual indique crescimento frente ao ano anterior, ele ainda é muito baixo para um país que quer se tornar competitivo. “Não conseguimos formar a mão de obra que a gente precisa, e os avanços são lentos”, afirma Olivo.

Por outro lado, existe a possibilidade de uma maior nacionalização das tecnologias, pondera Claudia. Em alguns nichos, as indústrias poderão desenvolver tecnologias próprias e se apoderar desse desenvolvimento. “Pode haver uma tendência para esse desenvolvimento, para reduzir o comércio exterior e diminuir custos”, afirma.

Para Olivo, a previsão é de que as empresas fiquem em compasso de espera. Ele cita os juros altos, o perfil da gestão atual do governo que tem anunciado mais gastos – o que aumenta a inflação – e a perspectiva de novas eleições em 2026, que pode mudar os planos empresariais a longo prazo.

“As empresas devem desacelerar em 2025. Há expectativa de crescimento mais moderado do PIB e é possível que elas reduzam o ritmo de investimento devido ao cenário interno e externo e entrem em compasso de espera, analisando o que vem por aí”, afirma Olivo.

Apesar das dificuldades, é possível que as empresas observem seus gargalos e busquem superar os desafios. Isso passa pelo trabalho do gestor de capacitar a equipe, desenvolver pessoas, perseguir a inovação e a criatividade para solução de problemas.

“O Brasil é um país muito complexo. Temos muitos problemas, mas isso também nos dá oportunidade de negócios ao buscarmos soluções para esses desafios”, afirma Olivo.

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