26 de abril de 2025

Prisão de juíza coloca ofensiva de Trump contra o Judiciário nos EUA em nova fase; entenda

Autor: Daniel Menezes

Do Estadão - As medidas do governo de Donald Trump para reprimir a imigração ilegal nos Estados Unidos entraram em uma nova fase nesta sexta-feira, com a prisão pelo FBI da juíza local de Wisconsin, Hannah Dugan. O governo já havia ignorado a decisão de juízes, a exemplo do caso do salvadorenho Kilmar Abrego Garcia, mas é a primeira vez que um magistrado é preso em torno dessa disputa. A prisão, rara se não inédita, tem argumentos legais discutíveis, segundo juristas ouvidos pela imprensa americana.

A juíza foi presa sob a acusação de ter ajudado um imigrante indocumentado a escapar de agentes federais durante uma audiência.

A acusação apresentada pelo Departamento de Justiça, no entanto, indica que os agentes migratórios não apresentaram um mandado de prisão contra o imigrante procurado à juíza. Dugan recomendou a eles que procurassem o chefe do tribunal e, nesse meio tempo, dispensou o imigrante procurado.

Agentes do FBI podem efetuar prisões em caso de suspeita de crimes, mas até o retorno de Trump à Casa Branca, raramente a agência era usada na detenção de imigrantes ilegais.

Ela foi liberada depois de pagar fiança e vai responder o processo em liberdade. “A Sra. Dugan lamenta profundamente e protesta contra a prisão”, disse um de seus advogados, Craig Mastantuono, ao juiz Stephen Dries durante uma audiência no tribunal federal de Milwaukee. “Ela não foi feita em nome da segurança pública.”

Imagem de 2017 mostra a juíza Hannah Dugan, em Milwaukee. Juíza foi presa pelo FBI após ajudar imigrante indocumentado a escapar de agentes federais Foto: Milwaukee Independent/via AP

Autoridades do Departamento de Justiça orientaram promotores federais em todo o país a investigar e, potencialmente, indiciar autoridades que impeçam a repressão imigratória do presidente. O governo Trump também entrou em conflito aberto com juízes estaduais e federais que buscam coibir algumas das iniciativas mais agressivas de deportação do governo.

Na terça-feira, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, chamou juízes distritais de “desonestos”. O principal assessor da Casa Branca, Stephen Miller, afirmou na quarta-feira que os EUA possuíam um judiciário “de esquerda, radical e desonesto”. O vice-presidente J.D. Vance criticou “juízes de esquerda radical”. A secretária de Justiça, Pam Bondi, criticou “juízes de esquerda de baixo escalão que estão tentando ditar os poderes executivos do presidente Trump”. Elon Musk chegou a afirmar que um “golpe judicial” está em andamento e pressionou pelo impeachment de juízes individuais.

O que está no centro das críticas?

O uso de tribunais locais pelo Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) como local para localizar e deter migrantes atraiu críticas de juízes em algumas jurisdições, que dizem que a prática torna mais difícil garantir que imigrantes indocumentados compareçam a processos judiciais nos quais sejam vítimas, réus ou testemunhas.

“Mesmo que você seja um imigrante sem documentos, precisamos que você entenda que este é um espaço seguro para nós”, disse Crowley em uma entrevista coletiva na tarde de sexta-feira. “Eles podem ser testemunhas de um crime. Eles podem ser vítimas de um crime. E se forem testemunhas, por exemplo, precisamos que possam entrar neste prédio e se sentirem seguros para conversar, para serem de fato testemunhas.”

Entretanto, as autoridades de migração defendem que os tribunais são um ambiente único, no qual podem ter certeza de que os alvos estão programados para comparecer em uma data e hora específicas e já passaram por uma triagem de segurança.

O escritório do de Milwaukee, que fez outras prisões no tribunal de Dugan este ano, adotou uma política de deter apenas imigrantes indocumentados que devem comparecer ao tribunal por supostos crimes e não perseguir aqueles que podem estar no tribunal como testemunhas ou vítimas, de acordo com o depoimento arquivado no caso de Dugan.

Como as autoridades responderam?

Em resposta à prisão da juíza, o governador de Wisconsin, Tony Evers, disse que o governo Trump tenta minar o judiciário “em todos os níveis”. “Continuarei a depositar minha fé em nosso sistema de justiça enquanto a situação se desenrola no tribunal”, disse Evers, do Partido Democrata.

As autoridades de Milwaukee também criticaram a prisão. O prefeito Cavalier Johnson disse que o ato causa um “efeito assustador” no sistema judiciário local. “Quando as pessoas não participam do processo judicial, isso torna a comunidade menos segura”, disse ele.

David Crowley, governador do condado de Milwaukee, disse em uma declaração que a juíza tem “direito constitucional ao devido processo legal”. “Está claro que o FBI está politizando a situação para dar um exemplo a ela e a outros em todo o país que se opõem ao ataque ao sistema judiciário e às leis de imigração do nosso país”, disse ele.

A juíza também recebeu apoio de cidadãos. Dezenas de pessoas se reuniram em protesto contra a prisão da juíza. Alguns a chamaram de ataque ao judiciário por parte do governo Trump. Cartazes foram escritos com “Tirem as mãos dos nossos juízes”.

“Se não nos levantarmos agora, perderemos a chance”, disse Jenica Wolski, de 37 anos, artista gráfica do subúrbio vizinho da cidade “Estamos caindo tão rápido no autoritarismo que é assustador.”

Por outro lado, a secretária de Justiça, Pam Bondi, chamou a juíza de “perturbada” e defendeu a prisão com a justificativa de enviar “uma mensagem muito forte”. Na Fox News, Bondi disse que os juízes que se opõem a Trump “acham que estão acima da lei”.

Stephen Miller, principal assessor da Casa Branca, escreveu nas redes sociais: “Ninguém. Está. Acima. Da. Lei.”

Quem é a juíza presa?

Hannah Dugan tem uma carreira jurídica marcada pelo trabalho em defesa de pessoas de baixa renda e grupos marginalizados, o que a fez conhecida nos círculos progressistas de Milwaukee. Eleita para o cargo em 2016, Dugan derrotou o ex-governador de Wisconsin, Scott Walker, do Partido Republicano. Ela foi reeleita em 2022, sem oposição.

A juíza cursou Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin em 1987 e logo depois conseguiu um emprego na Legal Action of Wisconsin, uma organização que presta serviços jurídicos gratuitos. Nesse período, ela trabalhou em casos de habitação, benefícios públicos e previdência social e coordenou o programa de advocacia pro bono da organização entre 1990 e 1994.

Mais tarde, trabalhou como diretora executiva da Catholic Charities of Southeastern Wisconsin. A juíza também atuou no Conselho de Ética do Condado de Milwaukee.

Como advogada da Assistência Jurídica, Dugan assumiu casos de defesa de indigentes. Em 1995, representou pessoas que pediam esmolas nas calçadas do centro da cidade, argumentando que proibi-las de fazê-lo era inconstitucional.

Julius Kim, advogado criminal em Milwaukee que conhece a juíza há anos, disse nesta sexta que ela é conhecida por defender pessoas que “sub-representadas no sistema de justiça”. “Questões de justiça social são muito importantes para ela”, disse. “Mas, dito isso, não acho que ela seja conhecida por ser influenciável no tribunal. Acho que ela leva suas obrigações como juíza a sério.”

Em 2021, Dugan foi finalista na categoria “Funcionário Público de Maior Confiança” no concurso Best of Milwaukee do The Shepherd Express, uma publicação alternativa.

Em um artigo que ela escreveu naquele ano, em que detalha a história das mulheres na profissão jurídica de Wisconsin, a juíza observa que um “projeto de paixão” dela era ter sua foto tirada do lado de fora de todos os tribunais de Wisconsin. /COM NEW YORK TIMES E WASHINGTON POST

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