1 de novembro de 2023
TJ condena estado de SP a pagar R$ 50 mil de indenização a homem que foi agredido por PMs e arrastado inconsciente e seminu
Autor: Cecília MarinhoAbordagem aconteceu em Itaquera, na Zona Leste da capital, em abril de 2022. Ação foi considerada 'violenta, descabida e abusiva' pelos desembargadores da 4ª Câmara de Direito Público, que analisaram apelação do estado, que já tinha perdido o processo na 1ª Instância.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) condenou o estado de São Paulo a pagar indenização de R$ 50 mil a um inspetor de alunos que teve a casa invadida por policiais militares e foi agredido, seminu, pelos agentes até perder a consciência.
O caso aconteceu em Itaquera, na Zona Leste da capital, em abril de 2022, e já tinha sido julgado em primeira instância em 15 de março deste ano.
No primeiro julgamento, a magistrada Fernanda Pereira de Almeida Martins, da 16ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, já havia condenado o estado a pagar R$ 25 mil de indenização ao inspetor Jhonny Alves, em virtude do que ela chama de “falha evidente na prestação de um serviço público” por parte da polícia.
No processo, a vítima narrou que, em 14 de abril daquele ano, acordou com o barulho de seis policiais dando voz de prisão ao irmão dele, Hernani Alves, dentro do quintal da casa.
O inspetor, então, diz ter perguntado aos PMs se havia mandado de busca e apreensão para a entrada na residência da família e pediu para os policiais se retirarem, uma vez que havia uma criança de 5 anos dentro da casa.
O inspetor narrou à Justiça que um dos agentes gritou: “Sai da frente, seu verme, cancelar o seu CPF dá menos trabalho do que tirar você da nossa frente”.
Segundo o processo, a irmã de Jhonny teria recebido um soco no peito dos policiais na sequência, e o inspetor foi imobilizado com o chamado "mata-leão" - golpe proibido pelo código de conduta da PM desde 2020 – e “foi arrastado pelos braços para a frente da casa, onde foi jogado no chão, e em decorrência da queda desmaiou e ficou jogado no chão, vestindo apenas cuecas”.
“O requerente perdeu a consciência e, algemado, ficou jogado seminu na calçada, à vista de vizinhos e passantes, com o rosto no chão, até ser jogado, no camburão, e conduzido até o hospital e, posteriormente, até o distrito policial”, diz o processo.
Após a primeira condenação, o estado de São Paulo recorreu, e o caso foi parar na 4ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, sob relatoria do desembargador Maurício Fiorito.
No julgamento da apelação, o relator afirmou que no processo ficou comprovado que a atuação dos policiais foi “violenta, descabida e abusiva”.
Ele manteve a condenação da primeira instância e elevou a indenização para R$ 50 mil. O voto dele foi seguido pelos demais integrantes da 4ª Câmara de Direito Público do TJ-SP.
“Embora algumas das circunstâncias narradas na inicial tenham gerado discussão no curso da demanda e não tenham sido suficientemente esclarecidas, outras restaram incontroversas, sendo indene de dúvidas que, no caso, a atuação policial foi violenta, descabida e abusiva, sendo inafastável a responsabilidade civil do Estado de São Paulo pela conduta de seus agentes”, escreveu Maurício Fiorito.
“As circunstâncias anteriores à abordagem do autor são controversas: não se sabe se, como alegado pelos policiais, o autor impediu a passagem dos policiais que invadiram a residência, jogou neles objetos ou os agrediu. De todo modo, ainda que se admitisse que o autor tenha atacado os policiais, nada, repita-se, nada justificaria o tratamento truculento e desumano que foi dado ao autor”, completou.
“Não há como considerar as condutas policiais como exercício do estrito cumprimento do dever legal, pois o dever legal e o procedimento operacional padrão policial não foram observados. (...) O autor estava desacordado. A forma que os policiais manipularam seu corpo demonstra total falta de cuidado e respeito pela pessoa. E o que é pior, tudo aconteceu em frente sua residência, perante seus familiares e vizinhos, o que intensifica a humilhação por ele sofrida”, escreveu Maurício Fiorito.
Outro lado
O g1 procurou a Polícia Militar de São Paulo e o Palácio dos Bandeirantes, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
No boletim de ocorrência registrado na delegacia na época do caso, os policiais que participaram da ação disseram que o irmão da vítima, identificado como Hernani Alves, teria resistido à abordagem policial gritando "polícia tudo lixo! Seus vermes, parasitas!" e, depois, fugido para dentro da casa.
Quando os policiais entraram no imóvel, foram alvo da família Alves, que passou a arremessar “objetos como gaiolas, vasos de plantas, tijolos, vassoura, dentre outros contra as equipes policiais”.
As agressões teriam ferido ao menos dois policiais.
“O PM Assunção - ao entrar no quintal da residência - foi impedido por Johnny Alves e, nesse momento, Assunção conteve Johnny Alves, levando para a parte da frente do imóvel. Porém, Johnny resistiu e mordeu o dedo anelar da mão direita do policial, que tentou cessar a agressão sofrida. Novamente, tentou a imobilização total de Johnny e ante a resistência ambos se desequilibraram no degrau no quintal da residência e caíram ao solo, queda esta que acarretou escoriações e lesão corporal. Após a queda Johnny, consciente, foi imobilizado, algemado e, em seguida, foi levado até a viatura e conduzido até o Hospital Planalto, onde permaneceu para a realização de exames de imagens”, disse o boletim de ocorrências.
Porém, as imagens registradas por vizinhos e familiares do inspetor de aluno Johnny Alves mostram que ele foi colocado dentro da viatura já desacordado, o que levou os desembargadores a contestar a versão oficial dos policiais.
"Os agentes da administração pública devem agir em conformidade com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. A atuação dos policiais militares, ainda que pautada na necessidade de repressão à resistência do requerente, evidentemente careceu de razoabilidade e proporcionalidade, em total desrespeito ao dever de proteção e garantia aos direitos e fundamentais", escreveu o desembargador Maurício Fiorito no voto que condenou o estado de São Paulo na segunda instância.
Fonte: G1
[0] Comentários | Deixe seu comentário.